O acentuamento da crise causada pela pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) coloca para toda população brasileira mudanças drásticas que requerem muita informação, atenção e principalmente cuidados com à saúde. Segundo a ciência e prognósticos provenientes de especialistas da saúde pública, estamos no meio de uma pandemia que ainda não alcançou seu pico máximo de contagio e que ainda não sabemos ao certo quais os riscos a curto, médio e longo prazo.

A partir das recomendações da Organização Mundial da Saúde – OMS, que orienta o isolamento social para diminuição da transmissão do vírus, em decorrência do rápido contágio da doença, sobrecarregando o sistema de saúde e as mortes que já causou, as aulas estaduais e municipais de escolas públicas de educação básica, foram suspensas.

Diante disso, aprofundando o avanço da precarização da Educação Pública e dos serviços públicos, que já vinha ocorrendo, o governo do Paraná e a Secretaria de Educação (SEED) sob os mandos de Ratinho Junior e Renato Feder buscam instituir um programa de educação à distância (EaD) para crianças e jovens da rede estadual de ensino.Utilizando-se do aplicativo “Aula Paraná”e de tele aulas, ou seja, apresentação de conteúdos escolares via canais abertos de televisão mantidos por instituições privadas de comunicação. Demonstrando que nas roupagens de inovação tecnológica, e de um manto de hipocrisia, o governo demonstra preocupação com a educação em tempos onde a população sente mais intensamente o que é viver sob um governo de lógica mercantil-privatista e autoritário. Onde privilegia a dimensão econômica e não a educação e saúde pública. Ou seja, um governo neoliberal.

Aulas por meio da Educação à Distância no estado do Paraná: a precarização da educação como um todo, principalmente para a população do campo, das águas e das florestas sob o argumento de um governo “preocupado” com a educação das crianças, adolescentes e jovens paranaenses.

A educação à distância (EaD) tem sido autoritariamente empurrada para a educação pública como “saída fácil”, com discurso de garantir aprendizagem. No entanto sabe-se das inúmeras dificuldades para tal garantia, considerando as desigualdades sociais e educacionais do país. Com apoio de grandes empresas privadas, inclusive as educacionais, que já implementaram a EaD nas suas rotinas de trabalho, esta vem sendo uma realidade em algumas instituições de ensino superior que coloca um desafio de elevada autonomia de seus estudantes e na formação docente. Desta forma, se para um estudante universitário o ensino à distância já possui grandes dificuldades, como será para crianças e adolescentes? E mais: como será para nós, povos do campo das águas e das florestas? E aos estudantes com dificuldades de aprendizagem, que exige outras formas de acompanhamento pedagógico?

Contribuindo com este triste cenário da impositiva implementação da EaD na educação pública paranaense, segundo os resultados da pesquisa TIC Domicílios 2018, 85% dos usuários de internet das classes D e E acessam a rede exclusivamente pelo celular, e somente 13% se conectam tanto pelo aparelho móvel quanto pelo computador. Na classe A, a tendência se inverte. As desigualdades se ampliam devido à qualidade da conexão e aos limites das franquias de dados. Segundo estudo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), 55% dos acessos móveis do país são pré-pagos. E sabe-se que boa parte dos usuários pós-pago são clientes “controle”, que pagam uma taxa fixa mensal, mas têm um limite, em geral, bastante estrito de tráfego de dados.

Mesmo com o argumento de que o Governo do estado do Paraná está providenciando pacotes junto às operadoras para não consumir dados de 3G e 4G, é preciso saber que: conforme a pesquisa TIC Domicílios ainda, existe a situação da ausência de memória suficiente pra aplicativos nos aparelhos dos brasileiros, demonstrando a frágil e desigual cenário em que é colocada toda a comunidade escolar neste momento. Muitas crianças/adolescentes não conseguirão acessar, outros terão dificuldade a assimilar o conteúdo, outros sequer ter internet ou equipamentos adequados. Isso é nivelar o ensino por baixo, com a prerrogativa de manter o ensino. Instituir Educação à distância é golpear a educação pública!. É precarizar um direito universal! É aprofundar a exclusão educacional! Educação não é mercadoria!

Segundo os dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado do Paraná possui 1.531.834 habitantes em territórios rurais dos municípios. Segundo dados do próprio estado do Paraná, há 2.144 escolas; destas, 584 são Escolas Estaduais localizadas no Campo, 954 Escolas municipais, sendo 474 Escolas Multisseriadas. Destas escolas e suas comunidades há o diferencial de que os educandos estão na dinâmica e na realidade da agricultura familiar e camponesa, em terras indígenas, quilombos, comunidades tradicionais1 , pescadores e pescadoras artesanais e caiçaras, acampamentos e assentamentos da reforma agrária. Território onde o tempo e a construção do conhecimento se dá por meio também da realidade e de suas culturas trazidas a partir das comunidades e sua relação com a terra, com a água, com as florestas, a subsistência e produção de alimentos. Há organizações de base e conselhos destes povos que possuem suas atribuições deliberativas e fiscalizadoras. A Educação para os povos do campo, das águas e das florestas enquanto direito universalizado, somente há pouco mais de 20 anos teve sua existência reconhecida e sua prática legitimada e apoiada pelo Estado Brasileiro, suas unidades federativas e seus municípios. Reconhecimento e legitimação conquistada a duras lutas e reivindicações que frente a essa situação de agora, é colocada em xeque.

Além da situação difícil dos educandos em acessar os conteúdos com essa proposta, evidenciamos que este projeto também atingirá diretamente os educadores e educadoras, que são os profissionais que mediam o conhecimento cientifico, o mundo e os saberes populares, e que sem eles, certamente a educação estará nitidamente precarizada. É preciso garantir diálogo e interação entre educandos(as) e educadores(as), principalmente considerando o momento do desenvolvimento da aprendizagem de crianças, jovens e adolescentes.

Quando a Articulação Paranaense Por uma Educação do Campo afirma que Escola é vida na Comunidade, reafirmamos que a Educação se constrói no cotidiano, nas relações de forma socialmente e historicamente referenciada e de qualidade, respeitando os tempos e espaços dos sujeitos do campo. Escola também é interação com os profissionais da escola (da limpeza, da cozinha) e visitantes. A escola também é realizar os trabalhos em grupo, utilizando o acervo da biblioteca. A escola potencializa essa educação. Quando essa educação é negada, necessitamos desconfiar e nos colocar em alerta. Num momento de necessidade de preservar a vida e entender a importância da educação de qualidade para a humanidade é trágico como governos tem se aproveitado da pandemia para diminuir ainda mais o acesso ao conhecimento, historicamente produzido pela humanidade e abrindo cada vez mais espaço para a privatização da educação pública e parcerias com empresários da educação. Reafirmamos: a educação é investimento, não é gasto!

Precisamos defender a educação presencial e os profissionais da educação, pois são fundamentais para o presente e futuro das crianças, adolescentes e jovens de nosso país.

Entendemos, por fim, que por se tratar de uma medida que, além de desrespeitar a gestão democrática, fere um direito adquirido. Denunciamos a todas as instituições competentes que possam intervir de maneira rápida para que nossas crianças, mães, pais, profissionais e comunidades não sejam afetadas durante essa pandemia por um projeto completamente oportunista desigual e precarizador da educação pública.

Solicitamos esclarecimento e garantias ao direito à educação quanto:

a) Responsáveis para acompanhar. Quem serão?

b) Quais os impactos sobre as crianças e jovens nessa fase da vida em relação ao uso de um aparelho ao menos 5 dias por semana, 4 horas por dia?

c) Quais os impactos desse programa de EaD para os educadores, educadoras e profissionais da educação das escolas publicas do paraná?

d) Qual a perspectiva do governo do estado frente a pandemia e os impactos psicológicos que podem acometer a população.

e) Qual o nível de desigualdade frente as condições dos pais e mães e o acesso à essa plataforma. Certamente ampliará a exclusão e a educação se tornará ainda mais uma barreira.

f) Além da Educação do Campo, como será com a EJA – Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissionalizante, Educação Especial? Quais os impactos para esses educandos e educadores(as)?

Diante destes pontos, é necessário:

1) Manifestação do Ministério Público do Estado do Paraná a respeito do exposto e que garanta que o direito à educação de qualidade seja preservado e que possamos atravessar esse período conturbado com o mínimo de prejuízos.

2) Urgente a suspensão das aulas mediadas por tecnologia online, garantindo assim aulas presenciais, com calendários adequados e respeitando as condições das comunidades dos territórios rurais do Paraná.

3) Ao retornar do isolamento social, debater e planejar como será a recomposição, com todos e todas.

Governador Ratinho Junior e Secretário da Educação Renato Feder

Ignorar a ciência e medidas judiciais contrariando o direito à educação de qualidade é ser ator principal do aprofundamento das desigualdades em nosso estado.

EDUCAÇÃO DO CAMPO: DIREITO NOSSO, DEVER DO ESTADO!

Paraná, 06 de abril de 2020

SECRETARIA EXECUTIVA ARTICULAÇÃO PARANAENSE POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Posts Recomendados

Ainda sem comentário, adicione o seu abaixo!


Adicionar um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *