Por: Assesoaria de comunicação ReSa

Iniciativa que busca combater a insegurança alimentar durante pandemia já distribuiu mais de 30 toneladas de sementes crioulas para agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais de 150 municípios.


Compra e distribuição de sementes crioulas – que é qualquer espécie vegetal e animal que não possui restrição de multiplicação. Este é o eixo principal do Projeto Emergencial de Conservação e Multiplicação da Agrobiodiversidade realizado no Paraná, desde agosto deste ano. As ações  já atenderam cerca de 3 mil famílias agricultoras de terras indígenas, quilombolas, assentados e acampados da reforma agrária, sindicatos de trabalhadores rurais, cooperativas da agricultura, guardiões e guardiãs das sementes, de mais de 150 municípios de todas as regiões do Estado.

Em duas etapas de distribuição das sementes já realizadas, a rede de 100 famílias guardiãs forneceram cerca de 30 toneladas de grãos de 69 variedades, 40 mil mudas de mandioca de 9 variedades, 50 mil mudas de batata salsa, além de aproximadamente 16 mil pacotes de 135 variedades de sementes de hortaliças. Com isso, até o momento, foram atendidas 30 comunidades quilombolas, 10 comunidades faxinalenses, 25 terras indígenas, 18 comunidades caiçaras, 8 assentamentos e 3 acampamentos da reforma agrária, 85 comunidades de 10 municípios ligadas ao Grupo Coletivo Triunfo e 6 cooperativas da agricultura familiar.

O projeto, construído coletivamente pelas organizações que compõem a Rede Sementes da Agroecologia (ReSA), com apoio do Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR), nasceu durante a pandemia de Covid-19, após o cancelamento de aproximadamente 30 feiras e festas de sementes crioulas que seriam realizadas em toda a região sul do País para difundir e trocar experiências sobre agrobiodiversidade, agricultura familiar e alimentação saudável. A não realização desses eventos atingiu diretamente a aquisição de sementes e a renda das famílias guardiãs – pessoas que têm uma relação profunda de respeito e convívio com a natureza.

André Jantara, integrante da ReSA, explica que com a pandemia de Covid-19 houve uma preocupação muito grande com as famílias guardiãs, e como a ReSA poderia contribuir na manutenção da renda, produção de alimentos e preservação da agrobiodiversidade. “Ficamos muito preocupados em como nós, enquanto Rede, poderíamos estar contribuindo na disseminação dessas sementes que foram multiplicadas pelos agricultores, porque a feira é um espaço de troca e comercialização, uma forma de geração de renda para essas famílias guardiãs das sementes”.

Em um período de profundos cortes de orçamento para políticas públicas de incentivo à produção e venda de alimentos da agricultura familiar feitos pelo Governo Federal, o aumento acentuado da pobreza resultando na falta de condições para adquirir alimentos e a liberação desenfreada de agrotóxicos para as lavouras, Jantara destaca que o projeto precisava atender esse público que tem sofrido com a exclusão dessas políticas, viabilizando a produção de alimentos agroecológicos. 

“Nós entendemos que o projeto precisa atender o público mais carente, disseminando a agrobiodiversidade, espalhando o máximo possível de variedades de sementes para que sejam multiplicadas, além de melhorar a qualidade da alimentação dessas famílias, garantindo uma comida mais diversificada, pois todas as sementes distribuídas são agroecológicas, o que garante uma alimentação saudável na mesa”, afirma. 

Destaca, ainda, a importância na multiplicação e partilha das sementes, ampliando a rede e fortalecendo a troca de saberes entre as comunidades. “As mais de 100 famílias guardiãs aqui do Paraná estão conseguindo comercializar suas sementes, com a intenção de que essas sementes cheguem nas outras famílias agricultoras para que sejam multiplicadas, garantindo que cada um tenha sua autonomia, não precisando comprar todo ano das empresas. Além disso, os agricultores firmaram um compromisso de multiplicar as sementes distribuídas e devolver a mesma quantia para que se faça um banco de sementes, que poderá atender novas famílias”.

De guardiã para guardiã

A guardiã de sementes, agricultora e integrante do grupo de Mulheres do Coletivo Triunfo, em Fernandes Pinheiro (região central do Paraná), Terezinha Aparecida Vieira Santos comenta que ela e a família sempre viveram da agricultura familiar, e grande parte da produção da terra era comercializada nas feiras e eventos realizados pela ReSA, mas com a pandemia e o cancelamento dessas atividades a renda ficou comprometida. “Com o projeto pude comercializar essas sementes evitando deixá-las guardadas para o próximo ano, e para nós tem ajudado muito, pois é através disso que ganhamos nosso sustento, como não teve as feiras o projeto é muito importante para as famílias agricultoras”.

Terezinha se reconhece enquanto uma guardiã de sementes ao participar das feiras e festas. Já conservava diversas variedades há muitos anos, como a semente de alface roxa que cultiva há mais de 37 anos. Para a guardiã, é muito importante participar de uma rede que potencializa outras redes e saber que, através deste projeto, pode comercializar suas sementes e ajudar a sua e outras famílias. “É um sentimento muito gratificante saber que as minhas sementes estão contribuindo para a vivência de outras famílias, e por saber que estou contribuindo para uma sociedade ainda melhor”.

Maria Arlete Ferreira da Silva, matriarca do quilombo Adelaide Maria da Trindade Batista, em Palmas (sudoeste do Estado), conta que as sementes recebidas já foram plantadas e vão ser multiplicadas. “Estamos muito felizes com essas sementes. Estamos plantando sementes que não têm veneno nenhum, gerando nossa comida e fortalecendo nossa renda”.

Para o ano que vem está prevista a realização da terceira etapa do projeto, na qual serão distribuídas mudas e plantas medicinais. “O projeto se estende até abril, mas não vamos só terminar as entregas e acabou aí. Queremos dar sequência e atender um número ainda maior de famílias através do resultado dessas distribuições que foram feitas agora”, ressalta Jantara. 

Aproximando campo e cidade 

Como parte das ações do projeto, a ReSA e a Casa da Semente de Mandirituba realizaram, no dia 28 de novembro, um encontro com representantes de 15 hortas urbanas de Curitiba e região metropolitana. A atividade teve como objetivo estreitar os laços entre famílias agricultoras do campo e da cidade, trocar experiências e compartilhar sementes crioulas. 

“Fizemos uma atividade com as hortas urbanas, em Curitiba, pois queremos atender aquelas pessoas que moram no campo, mas também aquelas que moram na cidade e querem multiplicar a semente e também produzir o próprio alimento”, explica Jantara.

Durante a atividade, cada participante pôde relatar as experiências que vêm sendo desenvolvidas em suas comunidades e bairros com as hortas urbanas. Ao final, foram distribuídos aproximadamente 800 pacotes de sementes crioulas, organizados em kits com cerca de 50 variedades de sementes de hortaliças.

A representante da Casa da Semente de Mandirituba Ines Polidoro explica que nesse momento em que a Covid-19 aumenta a fome na cidade, se faz necessário apresentar saídas para a população – e a execução do projeto em parceria entre ReSA e MPT-PR é um caminho para isso. 

“É importante trazer o projeto para a cidade, apresentar o que as organizações estão fazendo, trazer as sementes crioulas para as hortas urbanas fazendo com que cheguem nos bairros e na casa das famílias. Nós temos que pensar no que a gente come, e temos que plantar o alimento para não depender de auxílios do governo ou da doação da comida. Esse é o propósito: a luta em defesa da vida através da semente crioula”. E acrescenta. “Nos fortalecemos enquanto Rede de Sementes, mas também fortalecemos a rede das hortas urbanas. Esses encontros são encontros de resistência”.

Para James Willian, que participou como representante da horta urbana da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), o encontro foi um espaço muito importante de troca de experiências entre campo e cidade. “Esse encontro foi importante em duas linhas: uma que conecta o campo com a cidade, traz essa coisa ancestral da semente crioula, e a outra, o lado da conexão das próprias hortas urbanas como rede. Com certeza a gente vai ver o impacto muito em breve, já que foram várias hortas participando e bastante sementes distribuídas”.

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