No dia 01 de junho próximo passado, o Ministério da Educação, homologou parcialmente o PARECER CNE/CP Nº: 5/2020, que trata da “Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19.” Apesar de todos os limites que tem este Parecer, é extremamente relevante destacar que o Ministério da Educação vetou, exatamente, o item 2.16, que trata das avaliações e exames e da indicação do Conselho de não se considerar estas atividades remotas como dias letivos, em função da imensa desigualdade de acesso aos recursos tecnológicos no país. Frente a mais este brutal ataque do Ministério da Educação à garantia do direito à educação da classe trabalhadora, o FONEC vem se manifestar apresentando os seguintes pontos à reflexão e à luta coletiva de nossas organizações:

O Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC, ainda em 24 de abril próximo passado, atendeu ao Edital de chamamento do Conselho Nacional de Educação – CNE para consulta pública sobre o referido Parecer do CNE, encaminhando o documento “Direito à Educação em tempos de pandemia: Defender a Vida é mais do que reorganizar o calendário escolar”.

O citado documento do FONEC contém análise dos limites, contradições e violações de direitos fundamentais constantes no Parecer aprovado pelo CNE, que indica que serão ministradas aulas e atividades a distância, sem considerar as condições para que isso possa acontecer qualitativamente durante o período de Pandemia. Embora seja somente um Parecer e não uma Resolução, tal Documento, vem sendo seguido à risca por Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, bem como instruindo normativamente decretos dos executivos nessas esferas sobre a referida matéria, incorrendo em uma flagrante violação do direito fundamental à educação, aprofundando e\ou reproduzindo desigualdades em função das imensas diferenças de acesso às novas tecnologias no campo brasileiro.

Contraditoriamente ao Parecer do CNE, que ignorou as vozes das escolas, comunidades escolares e especialistas de todo o país, as propostas apresentadas no documento do FONEC se mostram coerentes com o direito fundamental à Educação de todos os estudantes brasileiros, em especial dos povos tracionais e camponeses, visando situar o verdadeiro lugar da educação em tempos de pandemia, como corolária do direito à vida com dignidade, cuja prioridade se impõe, devendo ser posto ao seu serviço e garantia, todos os esforços e recursos públicos.

Preocupados com a repercussão do Parecer do CNE e lutando para que os sistemas estaduais e municipais de ensino não assumam tais orientações sem discussão ampla e qualificada com as entidades e organizações da sociedade civil no âmbito educacional, desconsiderando as disparidades de acesso a serviços básicos e as desigualdades sociais, educacionais e regionais, o FONEC realizou reunião com representantes do Ministério Público Federal que integram a Promotoria Federal dos Direitos do Cidadão, buscando encontrar caminhos para impedir que milhões de estudantes ficassem em situação precária e desigual, caso sejam oficializadas as políticas de educação à distância, contando-se as atividades remotas como dias letivos e sem flexibilização do calendário escolar.

Com o objetivo de ter um quadro real da situação do acesso às atividades educacionais “remotas” no campo, o FONEC encaminhou solicitação aos Fóruns e Comitês Estaduais de Educação do Campo para que apresentassem um panorama do acesso às atividades “remotas” pelos estudantes do campo em todo o país, assim como das condições de trabalho dos professores e de mediação e/ou acompanhamento dos familiares às proposições daquelas atividades. Desta forma, o levantamento buscou reunir informações sobre o tema, a partir da visão de quatro coletivos diferentes: as escolas; os educadores; os estudantes e as famílias.

Como previsível, em função dos dados já exaustivamente conhecidos sobre a precariedade do acesso às tecnologias de comunicação e infra estrutura nos territórios do campo no Brasil, aliados às insuficientes condições socioeconômicas para aquisição e manutenção de aparelhos individuais de acesso a elas, como celulares; tablets ; computadores e internet; a situação relatada pelos estados é de extrema gravidade e profunda ameaça ao direito à educação dos povos tradicionais e camponeses, caso se insista na insana proposta de contar este período de atividades remotas como dias letivos.

Tomando como referência os relatos dos estados, os índices de acesso não excedem os 25%, sendo este patamar já muito elevado para a maioria deles. Não há internet disponível nas comunidades rurais onde residem os estudantes e os poucos celulares existentes também não tem “banda larga” suficiente para tal acesso. E mesmo quando as famílias possuem aparelho celular, a situação de insuficiência permanece, à medida que são vários estudantes na família que demandam o uso de celular para tais tarefas, sendo inviável o uso por todos na medida necessária para cumprir seus compromissos escolares.

Há relatos de casos em que no período inicial da pandemia, algumas escolas tentaram entregar os trabalhos em casa para os estudantes, mas em poucas semanas este trabalho foi suspenso. Também há relatos de escolas do campo que estão imprimindo os materiais das tarefas, e marcando um dia para que os pais busquem tais atividades, mas também nestes casos o relato é de inconstâncias e grandes dificuldades por parte dos pais, dado o acúmulo de trabalho já existente para garantir a sobrevivência da família, somado às dificuldades de acompanhamento das tarefas escolares via “remota”. Cabe salientar, ainda, que estas idas e vindas de familiares e estudantes na busca por materiais na escola, amplia aos o risco de contágio da Covid-19.

Ainda em relação aos educandos, relatos apontam para uma sobrecarga de tarefas encaminhadas pelos professores. O envio de uma dose exagerada de atividades se complica ainda mais entre os estudantes do campo que são trabalhadores e continuam envolvidos na produção de alimentos, atividade absolutamente essencial à sobrevivência de todos.

Em relação as educadoras e educadores das escolas do campo o que os relatos apontam é que os mesmos estão sendo submetidos a uma sobrecarga de trabalho neste cenário de pandemia. O uso do ensino-remoto, quando possível, corroborou com a necessidade de uso das redes sociais com o objetivo de facilitar o diálogo com as famílias. Tal fato tem elevado o trabalho dos professores para além da carga-horária habitual dedicada às aulas, uma vez que dúvidas e esclarecimentos ocorrem em qualquer momento do dia. Professores/as sinalizam que também estão atingidos/as pela pandemia e se encontram em isolamento social, necessitando conciliar o trabalho doméstico, o ensino remoto e, em alguns casos, o acompanhamento dos seus próprios filhos em atividades escolares.

Embora as educadoras e educadores das escolas do campo estejam se desafiando imensamente na produção de tais materiais, há um grande temor de serem dispensados, visto serem na maioria trabalhadores com contratos temporários. Ressalte-se que esta dispensa já aconteceu em diversos estados, com a promessa de recontratação ao término da pandemia. Há relato de apenas um caso onde foi aprovada uma legislação que impediu a dispensa de profissionais com contratos temporários durante a pandemia, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, através da Lei 17.934/20.

Em síntese, embora a oferta de atividades remotas possa ser considerada importante para manter os estudantes ativos nos casos onde isto é possível, para além de todo o sofrimento e desafios da pandemia, tais atividades não podem ser contadas como dias letivos e nem serem objeto de avaliação, visto produzirem uma enorme desigualdade, em função das imensas diferenças de acesso à tais conteúdos escolares disponibilizados desta forma. Pois, isto fere frontalmente o princípio da “Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, disposto no inciso I do Artigo 206 da Constituição Federal.

Sensível às nossas reivindicações e preocupações quanto aos encaminhamentos a serem tomados pelos sistemas estaduais e municipais de educação após a aprovação do Parecer do CNE, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, emitiu Nota Técnica (Nº 11/2020/PFDC/MPF), no dia 15 de maio de 2020, apresentando “Orientações e parâmetros sobre a garantia do Direito à educação em tempos de pandemia e sobre os impactos desproporcionais do não adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM 2020” (Procedimento Administrativo PA- PPB n° 1.00.000.007312/2020-41).

Nas reflexões contidas na Nota, fica evidente que as diretrizes para orientar as escolas da educação básica e instituições de ensino superior durante a pandemia do novo coronavírus, aprovadas pelo CNE “não tem a aptidão de superar o quadro normativo a respeito de calendário escolar e horas presenciais, (…) e que o fornecimento de conteúdo escolar em período de pandemia segue cercado de precariedade, diversidade de situações e, principalmente, desigualdade”. (p.2)

A Nota ainda adverte que “a suspensão das aulas presenciais suprime o componente mais fundamental da educação: “o encontro e o intercâmbio, (…) são mecanismos para manter a escola de alguma forma presente no imaginário do aluno são importantes em tempo de pandemia, para evitar evasão, desinteresse, desconexão; mas não podem ser considerados dias letivos e tampouco instrumentos hábeis à transmissão qualificada do conhecimento”. (p.6)

No entendimento dos Procuradores do MPF “Perdem, e muito, os estudantes com escasso acesso a meios remotos, como internet e televisão. Mas perdem todos, inclusive os mais favorecidos economicamente. Estes podem ter facilitada a transmissão de conteúdo das disciplinas, mas igualmente ficam carentes da dimensão social da educação. E, tal como os demais, pouco habilitados a serem avaliados em exames que não podem e não devem desconhecer a socialização que a educação deve promover”. (p.6)

A Nota finaliza recomendando que “No ambiente da pandemia, em que a desigualdade se acentua e a diversidade fica pouco visível, há tudo, menos educação minimamente digna. Considerar que, nesse período, há dias letivos, ou que é possível a realização da prova do ENEM, é orientar a política nacional de educação na contramão do artigo 3º da CF”. (p.6)

Diante do exposto, o FONEC elaborou esse documento a ser encaminhado a toda sociedade brasileira, especialmente aos conselhos e secretarias de educação dos estados e municípios, aos órgãos de justiça e do legislativo nas várias esferas de governo, às organizações e entidades da sociedade civil, universidades, educadores, estudantes, escolas e pais, para unirmos nossas forças e PROPORMOS:

1. Que toda e qualquer medida de reorganização dos calendários escolares, quando do retorno seguro às atividades escolares presenciais, deverá ser precedida de escuta ampla, qualificada e democrática da comunidade escolar, sociedade civil e movimentos sociais, pelos estados e municípios.

2. Que as atividades pedagógicas não presenciais durante o período da Pandemia da Covid-19 não sejam computadas como dias letivos e como objeto de avaliação.

3. Que os estados e municípios priorizem a destinação do orçamento da educação para a estruturação das escolas e contratação de educadoras/es para adequar-se às novas exigências sanitárias das educadoras/es e estudantes quando da retomada segura atividades presenciais. Os gastos com plataformas de mediação tecnológica para a implementação de atividades pedagógicas não presenciais se revertem em resultados limitados e excludentes, quando não, no desperdício de recursos públicos.

4. Que sejam suspensos todos os exame nacionais, estaduais ou municipais e vestibulares previstos para este ano letivo.

5. Que a União, estados e municípios adotem as providências para que não haja demissões, assédios, cortes de carga horária e diminuição de salários dos profissionais da educação das redes pública e privada, efetivos e temporários, da cidade e do campo, das comunidades indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhas ou camponesas durante o período de Pandemia da COVID-19.

6. Que a União, estados e municípios adotem as providências para assegurar a oferta da merenda escolar para todos os alunos da rede pública estadual e municipal de ensino, na cidade e no campo, comunidades indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhas ou camponesas durante o período de Pandemia da COVID-19.

02 de junho de 2020.

ENSINO REMOTO E À DISTÂNCIA APROFUNDA DESIGUALDADES. SEM PROFESSOR/A NÃO HÁ EDUCAÇÃO. EDUCAÇÃO É DIREITO. NÃO É MERCADORIA.

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