Proposta da Rede Sementes da Agroecologia (ReSA) tem objetivo de assegurar a produção de alimentos saudáveis, fortalecendo a agricultura familiar, povos indígenas e comunidades tradicionais

Já estava tudo planejado: a partir de maio de 2020, o grupo de mais de 100 agricultoras e agricultores guardiões das sementes crioulas no Paraná participaria de mais de 30 feiras, em toda a região sul do País, para disseminar e trocar experiências sobre agrobiodiversidade, agricultura familiar e alimentação saudável. Mas, com a pandemia de Covid-19, os planos tiveram de ser adiados. Mais do que isso: repensados, adequados à uma realidade ainda em construção.

Os guardiões e guardiãs integram a Rede Sementes da Agroecologia (ReSA), que nasceu em 2015 como um espaço de articulação e organização de iniciativas que dizem respeito às sementes no Paraná. As guardiãs e guardiões são pessoas que têm um profundo respeito e uma relação muito próxima com a natureza. Se preocupam com todo o processo de resgate, multiplicação, colheita e armazenamento de sementes.

A ReSA tem como objetivo fortalecer a agroecologia como modelo para a produção de alimentos, garantindo uma maior autonomia às famílias produtoras e consumidoras, promovendo o conhecimento e a multiplicação das variedades e das experiências.

Para Janete Rosane Fabro, da equipe de Agroecologia da Assesoar, “o projeto realizado em parceria da ReSA, Ministério Público do Trabalho do Paraná e AS- PTA, possibilitou não apenas gerar renda as guardiãs e guardiões de sementes, mas também demonstrou ser um importante instrumento na manutenção e ampliação da agrobiodiversidade e, consequentemente, ampliação da produção ecológica”.

A doação das sementes, cujo foco principal foi atingir os povos tradicionais, permitiu a Rede Sementes da Agroecologia, ampliar sua ação no estado do Paraná. Para as populações que as receberam é uma possibilidade de retomar ou amplia a produção de forma autônoma, retomando seus territórios e suas tradições.

Durante as entregas,  houveram várias afirmações de que as sementes crioulas serão a possibilidade concreta de sair do modelo de produção dominante, recriando novas relações não apenas produtivas, mas também organizativas e de autonomia das comunidades.

Foram necessários novos olhares e perspectivas na busca por alternativas para que as famílias possam fazer circular as sementes da safra 2019/2020. Além disso, frente a um cenário de total descaso do estado em políticas de apoio a agricultura familiar, era necessário viabilizar uma forma de ajuda emergencial aos guardiões e guardiãs na comercialização dessas sementes, que estão armazenadas e preparadas em propriedades rurais e urbanas. É vital que os estoques circulem e sejam vendidos para que não haja perdas – especialmente em sua qualidade de germinação, gerando renda paras as famílias agricultoras.

Em agosto deste ano, Jair Bolsonaro (sem partido) vetou quase integralmente a Lei nº 14.048, que previa a extensão do auxílio emergencial para agricultores e agricultoras que ainda não receberam o benefício, assim como fomento de crédito e incentivos para a produção de alimentos. Passados mais de sete meses do início da pandemia e com nítido aumento do empobrecimento do campo, as organizações sociais e movimentos campesinos aguardam e pressionam o Congresso Nacional para análise dos vetos presidenciais.

Parceria para que as sementes circulem

Em maio, a ReSA decidiu buscar auxílio para pôr em prática o Projeto Emergencial de Conservação e Multiplicação da Agrobiodiversidade no Paraná. A ideia é contribuir para a proteção da agrobiodiversidade e valorização econômica da produção de sementes destinadas à produção de alimentos saudáveis, fortalecendo a agricultura familiar, povos indígenas e comunidades tradicionais.

Com apoio do Ministério Público do Paraná (MPT-PR), que acredita na promoção da agricultura familiar e na conservação das sementes crioulas, a ação se tornou possível. “O Ministério Público do Trabalho tem por atribuição garantir melhoria nas condições de trabalho e renda de todos os trabalhadores, neles incluídos os pequenos agricultores que trabalham em regime de economia familiar. Para além disso, a produção de alimentos agroecológicos dispensa o uso de agrotóxicos, o que, além de proteger o meio ambiente como um todo, também promove impactos positivos no meio ambiente de trabalho, assegurando saúde para quem trabalha”, afirma a procuradora-chefe do MPT no Paraná, Margaret Matos de Carvalho.

Conservar e multiplicar – a rede de guardiãs e guardiões

A proposta da ReSA é adquirir sementes diretamente das famílias guardiãs ligadas à rede e distribuí-las para famílias agricultoras – que já produzam ou que estão iniciando. A estimativa é que 2.500 famílias de todas as regiões do estado recebam as sementes crioulas, tornando-se também guardiões e multiplicadores da agrobiodiversidade no Paraná.

“É importante ressaltar que a articulação de diferentes organizações sociais do campo com as famílias guardiãs desde os anos 80 fortalece a criação de redes de tecnologias alternativas, reafirmando estratégias coletivas de resistência ao modelo da revolução verde”, afirma André Jantara, assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia. A ReSA é uma das diversidades redes agroecológicas que surge deste processo de articulação.

Próximos passos

Mais de 25 variedades de milho, 6 de feijão e 4 de arroz estão a caminho ou já chegaram nas diferentes regiões do estado. Haverá um ato simbólico de entrega das sementes na próxima sexta-feira, dia 6/11, a partir das 14 horas, no município de Rebouças, com a participação de representantes do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e famílias agricultoras que receberam os cereais. O ato será realizado em ambiente aberto, respeitando todos os protocolos sanitários de segurança para prevenção do contágio de Covid-19.

Após a finalização da primeira etapa de entregas, será iniciada a logística de próxima etapa, com as sementes e mudas de hortaliças, plantas medicinais, frutíferas e flores, que beneficiarão as mesmas comunidades. A previsão é que as entregas sejam realizadas entre novembro e dezembro deste ano.

As sementes crioulas são variedades desenvolvidas, adaptadas ou produzidas por agricultoras/es familiares, assentadas/os da reforma agrária, comunidades indígenas e quilombolas, comunidades tradicionais, com características que os/as agricultores/as e comunidades selecionaram por várias gerações, e adaptadas aos seus sistemas de produção. O resultado é um material único, adaptado a diversas situações climáticas, rico nutricionalmente e culturalmente.

ORGANIZAÇÕES QUE INTEGRAM A ReSA: A Rede Sementes da Agroecologia é composta por diversas organizações e movimentos sociais que atuam pela preservação da agrobiodiversidade, tanto no campo quanto na cidade. Veja quais são: ABAI, ASSESOAR, AOPA, AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Rede Ecovida, CPT, CAPA, MST, Terra de Direitos, Instituto Contestado de Agroecologia, Coletivo Triunfo, Centro Ecológico Terra Viva, Coletivo de Jovens de São João do Triunfo, Fecoqui-PR, Grupo Terra Jovem, Terra Indígena Pinhalzinho, Terra Indígena Laranjinha, Terra Indígena Ywy Porã e UEPG-LAMA.

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