Fonte: União Nacional dos Estudantes (UNE) – (2010).

Por: André de Souza Fedel, Eder Ribeiro Borba, Lunéia Catiane de Souza, e Rogéria Pereira Alba.

Texto publicado na edição 180/2023, da Revista Cambota.

A educação pública tem sido alvo de grandes disputas nos últimos anos. Apesar das conquistas ocorridas entre 2003 e 2014, nos governos de Lula e Dilma, em que a classe trabalhadora avançou e conquistou inúmeras melhorias em âmbito nacional e regional, como a construção de instituições da rede federal, programas de inserção dos povos do campo, das águas e das florestas e ações afirmativas para setores sociais que nunca tiveram meios de acessar, permanecer e se qualificar nos diferentes níveis de educação.

Mesmo com esses avanços, atualmente a classe trabalhadora depara-se com desafios estratégicos a respeito de que projeto de educação pública queremos construir. Esses desafios são colocados principalmente pelo modelo educacional neoliberal que tem sido implementado em todos os níveis de educação. Ou seja, a transformação da educação em mercadoria, em decorrência do avanço do capital sobre os direitos sociais.

O desmonte do sistema educacional está atrelado à lógica do mercado, que visa formar trabalhadores com pouca qualificação e não sujeitos críticos, com condições de questionar e se organizar coletivamente contra a exploração do trabalho. Dessa forma, a educação é moldada para atender a demanda de acumulação do capital, em consequência, a fome da educação se materializa em diversos níveis, como o analfabetismo, a falta deacesso à educação pública, a predominância da rede privada, a precarização dos direitos dos profissionais da educação, o desmonte das estruturas públicas de educação, dentre outras. Esses são alguns desafios que refletem o futuro da educação pública brasileira.

A educação de qualidade hoje pode ser equiparada a um alimento que se encontra escasso ou é acessado somente por uma parcela pequena da população. Também pode ser entendida como um alimento precário, de pequeno valor nutricional, massivamente encontrado nas propostas de ensino a distância. A educação é alimento que garante o desenvolvimento, que projeta outra realidade, que transforma situações e proporciona “inéditos viáveis”, como diria Paulo Freire.

A região Sudoeste do Paraná tem uma história muito recente de universidades públicas, com acesso limitado, precário, e também com grandes influências de políticas liberais e neoliberais. Registros históricos mostram que desde a década de 1970 a região Sudoeste tem, em conjunto com a região Oeste de Santa Catarina e o Noroeste do Rio Grande do Sul, uma luta por instituições de ensino superior. Com a Constituição Cidadã em 1988, com a Lei de Diretrizes e Bases em 1996 e depois com a obrigatoriedade do Estado em oferecer o ensino médio para sua população em 1998, tivemos um cenário favorável para avançar na oferta de educação pública.

A partir desse período, no início da década de 2000 é que a educação pública superior foi sendo conquistada na região, com as universidades estaduais (Unioeste e Unicentro), as unidades da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a criação da Universidade Federal da Fronteira Sul e dos Institutos Federais.

Contudo, apesar da ampliação do número das universidades públicas no país, houve também o crescimento das instituições privadas, principalmente de educação a distância (EAD), devido à mercantilização da educação, e principalmente, conforme o gráfico abaixo, a partir da aprovação da PEC do teto de gastos de 2016 e das políticas de corte de investimentos em educação pública.

Número de vagas oferecidas em cursos de graduação, por modalidade de ensino no Brasil 2014-2021

Fonte: MEC/INEP Censo da Educação Superior.

Esses dados indicam a fragilização da educação e a falta de uma política estratégica, que priorize a educação pública e de qualidade, mostrando ser parte de um projeto de fome na educação superior. Com relação aos cursos de licenciatura, segundo o INEP/2020, 59,3% dos matriculados estão estudando a distância, ou seja, a maioria dos futuros educadores estão sendo formados por essa modalidade. Será que a fome de ensino superior é saciada com o ensino a distância?

Também se ampliaram grupos de capital aberto, dentre eles, Cogna – que atende 2,4 milhões de estudantes, Yduqs – com 1,2 milhão de estudantes, Ânima – que atende 390 mil estudantes e 18 mil professores, AFYA – atendendo milhares de estudantes e Bahema, entre outros.

Os dados acima demonstram o crescimento do ensino superior privado de 87,5%, enquanto o ensino superior público cresceu apenas 12,5%, num período de 10 anos, levando grande parte da população jovem e adulta que projeta fazer uma formação superior a optar por faculdades particulares e cursos a distância.

A fome por educação básica: analfabetismo no Brasil e no Paraná

Segundo o Fórum de Educação de Jovens e Adultos, há 11milhões de pessoas acima de 15 anos de idade que não foram alfabetizadas e em torno de 70 milhões de pessoas que não concluíram a educação básica.

De acordo com o IBGE, o analfabetismo no país possui características estruturais, mantendo-se principalmente na população idosa, com elementos de mais evidência em grupos populacionais como negros, indígenas e populações com dificuldades econômicas.

O analfabetismo mantém uma característica estrutural: quanto mais velho o grupo populacional, maior a proporção de analfabetos. Isso indica que as gerações mais novas estão tendo maior acesso à educação e sendo alfabetizadas ainda crianças, enquanto permanece um contingente de analfabetos, formado principalmente por pessoas idosas que não acessaram a alfabetização na infância/juventude e permanecem analfabetas na vida adulta.

No Paraná, a educação de jovens e adultos tem sido precarizada e entregue à iniciativa privada. Segundo dados do IBGE, mais da metade dos analfabetos da Região Sul estão no Paraná, que são 415 mil paranaenses com 15 anos ou mais. Além dessa constatação, o governo do Paraná tem sucateado a educação de jovens e adultos, transformando-a no método similar ao implementado na ditadura militar – o chamado “supletivo” – para fornecer diplomas sem preocupação real com o aprendizado. Essa transformação tem avançado com a educação a distância fornecida por empresas e também pela rede pública.

Fome de educação do e no campo

Fonte: Boletim Articulação Paranaense por uma Educação do Campo (2015).

No cenário do campo, com o avanço do agronegócio, que resultou na concentração de terras e na expulsão das famílias para as cidades em busca de trabalho, ocorre, a partir da década de 1990, o processo de nucleação das escolas, seguido por um amplo processo de fechamento, que se estende até hoje.

Diante disso, como forma de resistência, em 1998 foi realizada a 1a Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo. No Paraná, em 2000, na 2ª Conferência, foi constituída a Articulação Paranaense por uma Educação do Campo, com o objetivo de realizar a luta pelo direito à educação dos povos do campo, das florestas e das águas.

Os 25 anos da 1a Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo servem para refletir e reconstruir uma análise estratégica a respeito do projeto de campo e de educação em nosso país. Enfrentar o avanço do processo de empresariamento da educação; o fechamento de escolas, turmas e turnos; a terceirização dos serviços públicos; a fragilização da política do Pronera e também a negação histórica de reconhecimento das licenciaturas em educação do campo na carreira docente, que este ano completam 15 anos.

No Paraná, o cenário é agravado pela militarização das escolas; adoção da proposta multianos4; precarização do transporte escolar; rotatividade de professores/as; falta de estrutura humana e material; falta de acesso a tecnologias; criminalização da luta; terceirização do serviço do funcionalismo público.

Constata-se que todo esse desmonte da educação cria grande fome por uma educação de qualidade em todos os níveis de ensino.

Arte realizada para o seminário de 25 anos da educação do campo em Laranjeiras do Sul – UFFS (Ana Carolina Keil, 2023).

O novo ensino médio e a fome de educação que a juventude brasileira vem sentindo

A Lei nº 13.415/2017 do novo ensino médio (NEM) é parte das primeiras ações do governo golpista de Michel Temer, que precarizou a educação da parcela mais pobre da população. A lei do novo ensino médio estabelece como disciplinas obrigatórias somente Português e Matemática, ficando as demais a critério dos governos estaduais estabelecerem a carga horária.

No Paraná, o governo de Carlos Massa Ratinho Junior impôs de maneira autoritária esse novo formato educacional, sem dialogar com o setor da educação (professores, estudantes) nem fez uma experiência, implantou um pacote “de cima para baixo”, desmontando ainda mais a educação.

A implementação do NEM, com início em 2022, revelou como essa precarização vêm ocorrendo:

a) As escolas podem escolher até dois itinerários, dos cinco previstos na lei, o que delimita para os jovens das comunidades/bairros estudar o que a escola oferece. Caso queira cursar um itinerário diferente, precisa se deslocar para outra escola, mas cabe destacar que dos 5.668 municípios, 2.661 possuem uma única escola de ensino médio, conforme pesquisa da Anped.

b)A implementação da 6o aula, como ocorre no Paraná, traz várias dificuldades para os estudantes, como o transporte escolar, que é adequado ao ensino fundamental, com somente cinco aulas, dessa forma, os estudantes do ensino médio perdem a última aula e estudantes que trabalham no período da tarde têm seu horário de almoço prejudicado.

c) A diminuição de hora-aula das disciplinas de História, Filosofia, Geografia, Artes e Educação Física, como já citado na Cambota no 273/2017, dificulta que os estudantes tenham acesso a conhecimentos importantes para a formação de pessoas com condições de refletir sobre a vida em sociedade, seus problemas e tomadas de decisões coletivas.

d) A precarização do trabalho de educadoras e educadores, pois precisam trabalhar a mesma quantidade de conteúdo, com uma carga horária menor em sala de aula. Conforme cita o cientista político Miguel (2023): “Na realidade, levou à precarização absoluta do ensino, com professores sendo deslocados de suas áreas de competência para ministrar disciplinas bizarras. Que tal trocar Sociologia por um curso de ‘Brigadeiro Caseiro’, Química por ‘Mundo Pet’?” Uso de plataformas e materiais de ensino por slides, que o professor precisa seguir como um técnico, aplicador do material, e não como um professor com o papel de construção do conhecimento.

Na avaliação da pesquisadora prof.ª Eliza Bartolozzi, a reforma não afeta somente o ensino médio, mas é uma reforma que pretende abranger toda a educação básica e a superior. E essa constatação talvez explique a urgência do governo Temer ao criar uma MP 746/2017, dando início assim a mais uma reforma que integra o reformismo neoliberal instaurado no país com o golpe de 2016. Reformismo esse que tem como princípio a destituição dos direitos sociais dos trabalhadores. A reforma aumenta as desigualdades e afeta o acesso ao ensino superior pelos trabalhadores e pretende mudar a organização desse ensino. (ANPED, 2023, p. 12).

O problema do NEM não é só da implementação, mas ter sido construído sem gestão democrática, aprofundar desigualdades e ter um viés de privatização. A livre escolha dos itinerários é uma falácia porque depende mais das condições estruturais da escola do que das aspirações individuais do estudante. Com isso, o deslocamento do direito da educação para um direito a aprender que, na verdade, possui uma concepção utilitarista, conteudista e de formação exclusiva para o trabalho (mas qual trabalho). Isso precariza e desvaloriza completamente o papel dos profissionais da educação, podendo até criar caminhos para substituição.

Diante da precarização da educação no ensino médio, o entendimento de um conjunto de organizações e movimentos que trabalham com a educação é que a Lei nº 13.415/2017 não atende as necessidades reais da juventude. O movimento pela revogação do NEM está ocorrendo em todo o Brasil, o que levou o MEC, a partir da mobilização nacional, a interromper a implementação e abrir consulta pública para avaliação e reestruturação da política nacional, através de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas com estudantes, professores e gestores das escolas em todos estados.

Em Francisco Beltrão, neste ano de 2023, foi organizado o Comitê Municipal pela Revogação do Novo Ensino Médio, que se soma ao movimento que vem ocorrendo nacionalmente, envolvendo várias organizações e movimentos de educação, com o objetivo de organizar ações que levem informações à população, por meio de reuniões nas escolas e seminário municipal para debater o NEM e suas implicações na aprendizagem e na formação dos estudantes.

Para combater a fome de educação é necessário:

Revogar o novo ensino médio e debater com toda a sociedade, especialmente educadores e estudantes, qual ensino médio é necessário para um Brasil que coloque no centro a qualidade da educação como compromisso de um projeto de desenvolvimento.

Nossos desafios

Nenhum investimento público social contribui tanto para o crescimento e desenvolvimento quanto o investimento que deveria ser feito em educação e saúde. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), para cada R$ 1 investido em educação pública é gerado R$ 1,85 para o PIB. O mesmo valor investido na saúde gera R$ 1,70. No Paraná, conforme aponta Augusta Pelinski Raiher (2017) a cada R$ 1 investido nas Universidades Públicas estaduais, há um retorno de aproximadamente R$ 4 para a economia do Estado.

No entanto, esses investimentos encontram sérios entraves para chegar aos estados e municípios, como manobras fiscais, o empresariamento e a falta de espaços de participação popular e aplicação dos investimentos com controle social. Desse modo, fica fácil a utilização dos recursos para obras populistas e ações da iniciativa privada.

Dentre os desafios que precisamos enfrentar, destacam-se:

1) O Plano Nacional de Educação (2014-2024), que tem um conjunto de metas a serem cumpridas, das quais boa parte está longe de ser alcançada.

2) Retomar a construção de um sistema de educação nacional, que ainda não existe de forma articulada.

3) Retomar os recursos de investimento na educação pública desde a educação infantil até a pós-graduação.

Fonte: Levante Popular da Juventude

4) Afirmar a educação do campo como direito na educação básica e efetivá-la, em regime de colaboração entre União, estados e municípios, em todas as suas etapas: infantil, fundamental e médio, bem como nas suas modalidades de educação das pessoas com deficiência e na educação de jovens e adultos no território camponês. Considerar sua diversidade sociocultural e territorial, articulando as práticas educativas das escolas com o fortalecimento das comunidades e territórios do campo, e confrontando com a reforma do ensino médio, a BNCC e a BNC Formação, que se referenciam pela perspectiva gerencialista e urbanocêntrica de educação.

5) Realizar um esforço nacional, com apoio financeiro do governo federal, em todas as escolas do campo e em todos os cursos superiores de educação do campo, indígenas e quilombolas, para promoção de busca ativa dos estudantes que foram obrigados a deixar os estudos em função do empobrecimento durante a pandemia e em função da extinção das políticas de assistência estudantil.

6) Construir nacionalmente o reconhecimento das licenciaturas em educação do campo na carreira docente.

Diante do exposto consideramos que setores ligados diretamente à educação, bem como todo campo popular, devem encampar a luta por uma política estratégica da educação pública, desde a educação infantil até a pós-graduação, de acesso universal, buscando envolver toda a sociedade, para construir o projeto de educação pública que necessitamos neste período histórico.

Educação pública não se vende! Se defende!”


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