texto de Rafael de Oliveira Coelho dos Santos

O atual debate em torno do conceito de reforma agrária está baseado no uso de políticas de incorporação de terras para a criação de assentamentos e na insuficiência de políticas de desapropriação que desconcentrem a estrutura fundiária por meio do enfrentamento direto ao latifúndio e ao avanço territorial do agronegócio. Neste cenário observamos o declínio da reforma agrária.

Seguindo a linha descendente na implantação de assentamentos apontada no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, foram criados em 2010 o total de 206 projetos (ver tabela 1). Este número representa queda de 77% em relação aos 885 projetos criados em 2005, o resultado anual mais expressivo do período de oito anos. Os dados apresentados na tabela deixam claro que o trabalho realizado pelo governo em 2010 seguiu a tendência de concentrar a implantação de assentamentos nas regiões Norte e Nordeste, com 71% dos assentamentos, 73% das famílias e 95% da área total dos projetos.

A discrepância no tamanho das áreas dos projetos da região Norte em relação às demais acompanha uma tendência verificada desde os governos militares, ou seja, a de incorporar terras à reforma agrária sem alterar a estrutura fundiária concentrada. Este processo está diretamente ligado aos tipos de projetos de assentamento e ao modo como as áreas são obtidas.

 

Um exemplo são as Reservas Extrativistas (Resex), que representam apenas 9% dos projetos criados em 2010, 8% das famílias, no entanto, somam 69% da área total. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) explica que se trata de “populações tradicionais com territórios já demarcados, mas que não contam com os recursos para dar os passos rumo à sustentabilidade almejada” (INCRA, 2011). Embora a competência deste órgão seja a de atuar em áreas de reforma agrária, também trabalha no reconhecimento de moradores de reservas extrativistas, rondonienses, por exemplo, para que tenham acesso aos créditos rurais do INCRA e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Este procedimento está respaldado por um acordo firmado entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o MDA. Segundo o INCRA são 18 Resex reconhecidas em 2010, sendo 17 em Rondônia e 1 no Pará, que o governo apresenta junto aos números oficiais de assentamentos criados.

As mudanças socioeconômicas que ocorreram no país na última década têm influência direta neste novo contexto da reforma agrária, caracterizado pelo refluxo na luta pela terra com queda principalmente nas ocupações, e como conseqüência, diminuição do número de novos projetos de assentamentos rurais (DATALUTA, 2011). O aquecimento da economia brasileira, a abrangência de programas de distribuição de renda como o Bolsa Família e o aumento significativo na criação de empregos formais alterou a estrutura de classes do país. Segundo estudo recente realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), cerca de 35,6 milhões de pessoas foram incorporadas as classes A, B e C, como resultado do aumento da renda per capita dos brasileiros1.

Em matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 28 de março, Fernandes (2011) comenta que “algumas famílias passaram a ter mais condições de sobrevivência com o Programa Bolsa Família e decidiram não lutar pela terra”. Na mesma matéria, um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), explica que muitos ex-camponeses não têm mais interesse em voltar ao campo em função de novas oportunidades de trabalho na cidade, como no ramo da construção civil.

Mesmo sob influência de uma realidade socioeconômica mais favorável em termos mais gerais, entendemos que a nova conjuntura da reforma agrária está fundamentada principalmente na falta de empenho do Estado no enfrentamento dos problemas fundiários, na política de assentamentos pautada na incorporação de terras por meio da regularização fundiária, na decisão de não enfrentar os latifundiários com desapropriações e de não impor limites ao avanço territorial do agronegócio. A função social da terra não é levada em conta, pois nem mesmo o índice de produtividade calculado em 1980 foi atualizado. De acordo com o Artigo2 11 da Lei n° 8.629/93, a alteração do índice deve ser concomitante à melhoria das técnicas agrícolas, que resultem em desenvolvimento econômico regional e conseqüentemente no aumento da capacidade de produção.

O resultado não poderia ser diferente: o declínio da reforma agrária. No gráfico 1 expomos o número de assentamentos, com relação as áreas obtidas por ano desde o I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), em 1985. Utilizamos nos gráficos a data de obtenção da área por representar com fidelidade o que foi realizado a cada ano, pois a data de criação é mais adequada para representar os números totais relacionados à criação dos projetos. Depois de obtida a área, o projeto pode ser criado no mesmo ano ou apenas em anos posteriores, ou até mesmo em governos futuros. 

Com relação às famílias assentadas, observamos a mesma situação do número de áreas obtidas, descenso após 2005, com queda abrupta entre 2006 e 2007. Houve uma recuperação em 2009, porém, sem continuidade em 2010.

Estes números ratificam nossas afirmações a respeito do declínio da reforma agrária. Os dados da implantação de assentamentos em 2010 se tornam preocupantes, principalmente por não haver ainda, desde o segundo mandato do ex-presidente Lula, um plano concreto a ser implementado que vise enfrentar de modo incisivo os problemas do campo. O governo da presidenta Dilma Rousseff, até o momento também não indicou nenhuma política efetiva de reforma agrária.

Referências

  • BRASIL. MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário. II Plano Nacional de Reforma Agrária. MDA. Brasília, 2003.
  • BRASIL. INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Populações de reservas extrativistas de RO poderão ser beneficiárias da reforma agrária. Disponível na Internet: http://www.incra.gov.br/portal/. Acesso em Abril/2011.
  • FERNANDES, Bernardo M. III PNRA: a reforma agrária como desenvolvimento territorial. Boletim DATALUTA, dezembro de 2010. Disponível na internet: www.fct.unesp.br/nera
  • FGV – Fundação Getúlio Vargas. Centro de Políticas Sociais (CPS). A nova classe média: O lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2010.
  • O ESTADO DE SÃO PAULO. MST vive crise e vê cair número de acampados. Março de 2011.

Disponível na Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,mst-vive-crise-e-ve-cair-numero-deacampados, 698284,0.htm

  • SANTOS, Rafael de Oliveira Coelho. Estudo das políticas de obtenção dos assentamentos de reforma agrária no Brasil entre 1985 e 2009. 92 páginas. Monografia (Bacharelado em Geografia). Curso de Graduação em Geografia. Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente, 2010.

1Ver em: http://cps.fgv.br/

2Art. 11. Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional, pelos Ministérios de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura e do Abastecimento, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola.

 

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