Por: Elisangela B. Loss, Felipe Fontoura Grisa, Janete Rosane Fabro

As convergências entre os termos afirmam o propósito de garantir o direito à alimentação, de proteção contra a fome. Porém, divergem nas propostas políticas de construção da autonomia alimentar do país.

 A segurança alimentar, pautada na Cúpula Mundial da Alimentação, em 1996, traz que todas as pessoas devem ter disponibilidade econômica suficientemente para acessar alimentos isentos de contaminação biológica e nutritivos, para satisfazer suas necessidades alimentícias e suas preferências quanto aos alimentos, a fim de levar uma vida ativa e sadia. Mais tarde, em 2002, é incorporado o discurso de garantir a oferta de serviços, mesmo que pago, como à água potável.

Cartaz soberania alimentar Via Campesina

Assim, a Segurança Alimentar passa a ter uma interpretação distorcida, considerando apenas o acesso à alimentação, não questionando o modelo produtivo e a procedência dos alimentos. Esta prática justifica a abertura de mercados internacionais, os monopólios alimentares, o domínio das multinacionais sobre os bens de produção, entre outras armadilhas do neoliberalismo.

 O debate quanto a Soberania Alimentar, trazidos pelos movimentos sociais populares, vem no sentido mais amplo, e faz parte de um projeto político, construído com ações e estratégias conjuntas de produção e consumo, em todas as esferas e níveis de um país. Defende a criação de políticas estruturantes, de autonomia dos meios de produção e do modelo produtivo, bem como, condições para acesso da população aos alimentos, não se pautando somente nas relações comerciais.

 No entanto, no governo ilegítimo de Michel Temer e no atual governo, acirra-se as ações políticas dirigidas aos interesses da classe dominante, cerceando as ações que promoviam o avanço da soberania alimentar. Pode-se citar o desmonte das políticas públicas, que atuavam na perspectiva de redução da fome e da pobreza, como o Programa Fome Zero e o Bolsa Família, e outras políticas voltadas a melhoria da qualidade da alimentação da população (desde a produção até o consumo). Ampliando esse quadro, o crescente desemprego tem gerado o aumento da pobreza e extrema pobreza, levando o Brasil de volta ao Mapa da Fome.

Agravando esta situação, no atual governo tem crescido a criminalização e a extinção dos espaços democráticos instituídos, como os Conselhos que debatem estratégias de combate à fome e  de construção da autonomia alimentar da população. Um exemplo, foi o ocorrido com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, que foi extinto em janeiro deste ano, pela Medida Provisória 870 de 2019. Porém, devido as pressões de órgãos e movimentos nacionais e internacionais de combate a fome e a pobreza, em maio, a comissão mista do Congresso Nacional aprovou a alteração do texto da reforma administrativa, e recria o CONSEA.

Como ato de resistência, os CONSEA’s de vários estados, entres eles o Paraná, através de seus espaços regionais e municipais, este ano, organizaram as Conferências de Segurança Alimentar e Nutricional, com o tema “Comida no campo e na cidade – o que temos e o que queremos?”. Os debates nestes espaços foram intensos e propositivos, principalmente com enfoque no fortalecimento dos Conselhos,  na construção de políticas de redução do uso de agrotóxicos,  na promoção do acesso a alimentação saudável e na Agroecologia, como uma das estratégias para a construção de um projeto coletivo que tenha como eixo central o debate alimentar a partir da Soberania Alimentar.

 Enfim, não existe Segurança Alimentar, se não existir Soberania Alimentar. O Estado tem papel fundamental na efetivação de instrumentos políticos e jurídicos, que possibilitem ao país construir ações que promovam a Soberania Alimentar. Já as organizações e movimentos sociais populares, a partir de suas formas organizativas e estratégicas, devem pautar o Estado para o cumprimento de seu papel.

Agroecologia na construção da Soberania Alimentar: alimento como direito no campo e na cidade

Feira de produtos orgânicos/ Foto: Assesoar

Nenhum ser vivo sobrevive sem alimentar-se. A alimentação é algo essencial para nossa sobrevivência, portanto, a privação ao acesso a alimentação saudável, em quantidade e qualidade, é uma das formas mais violentas de se tratar a vida. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada no dia 10 de dezembro de 1948, traz em seu artigo 25º:

“Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”

 Se a alimentação é fundamental para sobreviver, por que não é foco das políticas públicas promover sistemas produtivos com base na Soberania Alimentar?

Então, enquanto cidadãos o acesso ao alimento é um direito universal, seja no campo ou na cidade! Dessa forma, devemos pautar a soberania alimentar, pois ela define as políticas de produção, de acesso e de consumo dos alimentos, de forma a garantir à todas as pessoas alimentação saudável e um ambiente adequado à vida. Compreende ainda, que todos os povos devem ser soberanos e terem respeitadas suas culturas e crenças.

Não haverá uma nação soberana, se sua população não tiver acesso a alimentação saudável em quantidade suficiente para suprir suas necessidades. Na monocultura, com foco na escala e no lucro, não há valorização da vida! Para que isso ocorra, é fundamental que tenhamos diversidade produtiva, que gere autonomia, se desenvolva a partir de práticas sustentáveis e políticas, que de fato tenham como princípio o direito de seu povo se alimentar com qualidade.

 A diversidade produtiva promove ambientes equilibrados ecologicamente e como consequência, diversidade alimentar. É inconcebível, ecologicamente, que tenhamos em nossas dietas pepinos, tomates e batatas durante todo o ano, pois em função das variações climáticas, elas não são produzidas no inverno. Nestes períodos, sabiamente a natureza disponibiliza alimentos que suprem nossas demandas para enfrentar o frio. Além desta característica, espécies não adaptadas a nossa realidade necessitam de muito mais energia para serem produzidas e são muito susceptíveis a doenças e ataques de insetos.

 Como fomos induzidos a negar nossos hábitos e costumes, padronizando nossas dietas, não fortalecemos a produção local e nem os alimentos regionais. Não estamos fazendo uma crítica ao atual momento em que podemos ter acesso a alimentos vindos de vários lugares do mundo, mas sim a que custo eles vêm e os impactos que geram em nosso sistema alimentar, na nossa saúde e em nosso sistema produtivo.

 Por isso a alimentação é acima de tudo um ato político, pois quando opta-se pelos alimentos locais impulsiona-se a produção dos mesmos. Ao valorizar a diversidade, preserva-se as espécies, avançando numa proposta produtiva inclusiva para todas as pessoas do campo e da cidade. A construção de um outro modo de produzir e se alimentar, não depende apenas do campo, mas sim de todos e de todas.

 Muitas vezes, olha-se para o campo como um lugar vazio de gente, espaço somente de produção, damos a ele esta conotação, como se ali a única função seja gerar volume de produção, e consequentemente, o lucro. No entanto, há uma família, pessoas, com diferentes necessidades e que nem sempre as políticas públicas atendem.

Foto: Assesoar

Neste local há trabalhadores e trabalhadoras, que produzem alimentos, mas também consomem, portanto, seus hábitos, não só de consumo, mas também de perceber-se socialmente, podem reforçar sua exclusão ou gerar sua autonomia. Então, o campo é um lugar de vida, e suas  especificidades devem ser respeitadas e valorizadas.

 Avançar em uma proposta humanizadora, como a agroecologia, requer uma atitude coletiva. Os trabalhadores e trabalhadoras da cidade são atores políticos, que devem perceber a alimentação não apenas como o ato de consumo, mas como importante impulsionador de uma produção, para atender as necessidades humanas, sem prejudicar o ambiente e sua sustentabilidade.

A Assesoar, vem construindo junto com as demais organizações do campo popular, espaços de resistência entre campo e cidade, visando o fortalecimento das ações de aproximação entre produção e consumo, na perspectiva da construção do projeto popular. Na região Sudoeste, esse processo se dá através da Plataforma da Comida Saudável em suas diversas ações e frentes. No âmbito estadual, nacional e na América Latina, a Assesoar articula-se em espaços organizativos, a partir da agroecologia e defesa da soberania alimentar.

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