Justiça declarou nula parte dos títulos de propriedade da Araupel S/A sobre área em disputa, mas empresa continua pressionando governo do estado por reintegração de posse. Mais de 3 mil famílias acampadas lutam pelo acesso à terra, contra a grilagem e o monocultivo de árvores.

30/11/2015

Por Camilla Hoshino, De Curitiba (PR)

araupel

Os funcionários da empresa madeireira Araupel S/A deixaram a Praça Nossa Senhora de Salete, em Frente ao Palácio do Iguaçu, em Curitiba, no último sábado (28). Eles participavam de um protesto que teve início na segunda-feira (23) contra ocupações do MST situadas em áreas sob disputa pelas duas partes. Dezenas de ônibus e caminhões deslocaram para a capital cerca de mil trabalhadores e equipamentos que a empresa alega ter sido destruídos pelo movimento sem-terra.

Em seguida, como resposta, o MST ocupou o portal de acesso à empresa, em Quedas do Iguaçu, para denunciar as pressões que as famílias acampadas estão sofrendo na região, assim como a abordagem dos meios de comunicação em relação ao conflito. “Estão distorcendo todos os fatos”, denuncia o dirigente regional do MST, Rudmar Moeses.

Segundo ele, a Araupel estaria liberando os funcionários das atividades para participar das manifestações. Oito boletins de ocorrência denunciando que a empresa forçou trabalhadores a aderir aos protestos foram apresentados pelo MST ao Ministério Público na última semana.

Na mesma ocasião, o MST também solicitou ao Ministério Público e à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa que fossem à região do conflito para notificar as ameaças de morte sofridas por lideranças do Movimento e o clima de ódio gerado pelas manifestações pró-Araupel na região.

araupel0Conflito agrário

Este cenário reflete parte do clima de tensão que nasce na luta pelo acesso à terra e contra a grilagem. O conflito tem relação com o surgimento de dois acampamentos do MST na região Centro-Sul do Paraná, construídos nas áreas em que funcionam as atividades da empresa Araupel, exportadora de pinus e eucalipto. O primeiro, Herdeiros da Terra, está localizado no município de Rio Bonito do Iguaçu. A ocupação aconteceu em 1º de maio de 2014 e hoje abriga 1300 famílias. Ali, elas possuem aproximadamente 1550 hectares para a produção de alimentos.

O segundo acampamento, Dom Tomás Balduíno, cuja ocupação teve início em junho de 2014, possui 1500 famílias e fica na região de Quedas do Iguaçu. Ao contrário da outra ocupação, esta possui 12 alqueires de área aberta, sendo apenas 9 – cerca de 30 hectares – utilizados para o plantio.

“O Movimento Sem-Terra nunca impediu a extração de madeira pela empresa. Inclusive é uma necessidade nossa que essa área aberta se amplie para a produção de alimentos”, relata Moeses, contrariando a campanha em defesa da Arupel que afirma que o MST impede os funcionários de cortar madeira nas áreas ocupadas.

O deputado estadual Tadeu Veneri (PT), líder da oposição na Assembleia Legislativa e presidente da Comissão de Direitos Humanos, confirma a informação de que o MST concorda com o corte da madeira que já está plantada, mas que não permite que a empresa plante novamente pinus e eucalito, já que defende que o terreno seja destinado à reforma agrária. “Isso está registrado nas atas das reuniões entre o MST, Araupel e governo de estado”, destaca.

Títulos de propriedade questionados

O advogado da comarca de Quedas do Iguaçu, que assessora o MST, Claudemir Torrente Lima, explica que as terras ocupadas, das quais a empresa alega ser proprietária, estão divididas em dois imóveis- Fazenda Pinhal Ralo, em Rio Bonito do Iguaçu e Fazenda Rio das Cobras, em Quedas do Iguaçu. Ambas são foco de uma Ação Ordinária, ajuizada em 2004 pelo Incra, que questiona os títulos de propriedade da empresa (Processo nº 2004.70.05.005184-9/PR).

Em 2015, a juíza da 1ª Vara Federal de Cascavel, Lília Côrtes de Carvalho de Martino, declarou nulo os títulos que deram origem ao Imóvel Rio das Cobras e reconheceu a área como sendo domínio da União. Na decisão, também entendeu o julgamento da área da Fazenda Pinhal Ralo- que segue em análise- como competência da Subseção Judiciária de Pato Branco.

No dia 20 de outubro, a Juíza Heloísa Mesquita Fávaro, titular da Vara Cível da Comarca de Quedas do Iguaçu, declarou haver conflito de competência no caso, deslocando o processo judicial ajuizado pela União Federal e pelo Incra- que requer a incorporação do Imóvel Rio das Cobras à União-, à Justiça Federal. “Esta decisão torna nula a liminar de Reintegração de Posse concedida inicialmente à empresa, em razão da decisão ter sido proferida por juízo incompetente”, afirma Lima.  “Caso haja nova ordem de Reintegração de Posse pela Justiça Federal, a competência para o cumprimento será da União”, acrescenta.

Ao longo dos 11 anos de tramitação do processo, os agricultores sem terra já conquistaram dois assentamentos sobre as terras em disputa: o Assentamento Celso Furtado, em Quedas do Iguaçu, e o 10 de Maio, em Rio Bonito do Iguaçu.

Para Lima, a possibilidade de ocorrer um novo assentamento na Fazenda Rio das Cobras é real. “O domínio do imóvel já foi declarado em favor da União e está sob análise da Justiça Federal. Há um pedido de Imissão de Posse, que caso seja deferido, permitirá ao INCRA efetuar o assentamento das famílias atualmente acampadas na área”.

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Mediação

Na quinta-feira (26), a Araupel se reuniu com representantes do governo estadual para apresentar uma proposta de mediação para o conflito. O documento, assinado pelo sócio-administrador da empresa, Tarso Giacomet, sugere que cerca de 3 mil famílias, provenientes dos dois acampamentos, sejam remanejadas para uma área de 190 hectares. “Não poderá ser construída nenhuma espécie de edificação em alvenaria, seja para moradia ou para outros propósitos tais como escolas, creches, hospitais, postos de saúde, entre outros”, diz o texto.

Além disso, a proposta determina quais alimentos as famílias podem plantar, quais produtos químicos podem usar e exige um cadastramento realizado pela Polícia Militar do Paraná de todas as pessoas dirigidas a esta “área de confinamento oferecida” – como o texto descreve.

Para o dirigente estadual do MST, Rudmar Moeses, a proposta não contempla o movimento. “Não daremos nenhuma passo para trás. Já temos alguns avanços como o da não reintegração de posse no acampamento Dom Tomás Balduíno, além de termos nossas escolas itinerantes, reconhecidas pelo estado do Paraná, funcionando e crescendo”, defende Moeses. Para ele, destinar as áreas ocupadas para fins de reforma agrária não está apenas sustentada nas decisões judiciais, “mas também é uma questão de honra e luta contra o latifúndio”, aponta.

O MST deve dar uma resposta oficial à proposta nos próximos dias.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/33600

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