Participantes do Debate – Fotos do Artigo: Joka Madruga

Publicado a 27 de Fevereiro de 2014 – Levante Popular da Juventude

 Neste último dia 27 de Fevereiro ocorreu no Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (Senge) um debate sobre a situação da Venezuela, seu contexto econômico, político e social. Participaram da mesa o especialista em relações internacionais Igor Fuser e a cônsul venezuelana Andrea Coral. O evento contou com a participação de dezenas de partidos, movimentos sociais e organizações diversas. Durante o espaço, pôde-se saber mais sobre o quê vem acontecendo naquele país ouvindo a opinião de pessoas que já estiveram lá e com relatos divergentes do que é pregado pela grande mídia.

 Nós, do Levante Popular da Juventude já estivemos presente naquele país acompanhando as prévias da última eleição de Hugo Chávez, apoiamos Maduro nas últimas eleições, gravamos vários vídeos em apoio à revolução bolivariana e estamos com o povo venezuelano na defesa de sua soberania nas decisões quanto ao destino de seu país. Por isso, achamos de grande importância que debates dessa natureza realizem-se como forma de contra-atacar a ofensiva que a grande mídia vem fazendo contra a revolução bolivariana, querendo assim o retorno das oligarquias e do imperialismo no controle do petróleo daquele país.

 É importante lembrar que o exemplo venezuelano gera impactos bastante diretos na América Latina. Uma integração e soberania maior entre os países do sul e um apoio maior à lutas e movimentos sociais é algo que faz-se notar. Além disso, ele gera um enfraquecimento da Doutrina Monroe, cohecida pela frase “A América para os Americanos” e usada como apoio ideológico para intervenções políticas e militares dos Estados Unidos na América Latina. Estes são o grande crime da revolução bolivariana e o motivo dela ser tão atacada.

 Devido ao Brasil ter grande importância econômica e política na América Latina, é fundamental que haja uma maior divulgação de informações sobre a situação venezuelana em nosso país e que haja uma pressão maior da sociedade civil para que nosso país tenha uma postura não tão tímida no reconhecimento e apoio ao governo venezuelano diante dos ataques que este vem sofrendo. Esta é a forma pela qual podemos contribuir com o povo venezuelano, e conseqüentemente com as melhoras para nossa própria população. Para isso, nos proporemos a espalhar em diferentes pontos da cidade cartazes e papéis de apoio à Venezuela, e também divulgaremos aqui um pouco do conteúdo e das informações passadas durante o debate:

 Antônio Goulart: “O que tentam fazer hoje na Venezuela não é novo, foi feito pela primeira vez no Irã em 1951.”

 Segundo Antônio Goulart, diretor do Sindicato dos Engenheiros, que abriu o espaço do debate, o Irã ja havia realizado uma medida semelhante à Venezuela algum tempo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Como uma tentativa de livrar-se do colonialismo e fazer com que a produção de petróleo beneficiasse sua população ao invés de empresas inglesas, a produção foi nacionalizada e os lucros do petróleo passaram a ficar no próprio país ao invés de ser enviado para a Inglaterra. Como resultado, a CIA começou a patrocinar vários atos de dissidência ao governo iraniano, contratou pessoas para causar confusões em manifestações e iniciou uma campanha de propaganda que visava retratar o governo iraniano como ditatorial e fora de controle. Provocadores dentro de manifestações de rua levaram à vários conflitos que culminaram em um golpe que depôs o governo e fez com que o lucro do petróleo passasse a ficar com empresas norte-americanas.

 Ao longo dos próximos anos, várias novas tentativas de intervenções norte-americanas em diferentes países seriam documentadas sempre que governos populares surgiam e ameaçavam o lucro de empresas norte-americanas. Nem sempre a intervenção militar direta era necessária, pois muitas vezes por meio de “assassinos econômicos” que controlam países por meio de dívidas, especulações, corrupção e empréstimos ou de “chacais” que são contratados para assassinar presidentes (como ocorreu no Panamá e Guatemala). Como exemplo de atividades mais modernas, usadas à 15 anos estão também os chamados “golpes suaves”. Tais golpes, idealizados pelo cientista político Gene Sharp, servem para derrubar governos sem provocar indignação internacional e já foi usada em Honduras (2009), Paraguai (2012) e na própria Venezuela previamente em 2002. Tais métodos se baseiam mais em sabotagens econômicas, terrorismo midiático, incitação à conflitos e provocação de colapso institucional.

 Goulart lembrou também da história recente da Venezuela. Em 1989, época em que Collor estava no poder no Brasil, havia começado lá uma manifestação que teve como origem o aumento do preço da tarifa de ônibus, tal como as manifestações brasileiras de junho do ano passado. Tais manifestações logo se nacionalizaram e passaram a ser protestos contra as políticas neoliberais que estavam sendo aplicadas na Venezuela. Os protestos foram duramente reprimidos pelo exército, o que causou milhares de mortes. A indignação de ver como manifestantes eram massacrados pelo exército acabou culminando em uma sublevação militar em 1992 na qual militares sob o comando de Chavez tentam depor o governo. A sublevação fracassou, Chavez foi preso, mas o ato fez com que ele se tornasse conhecido pela população e o levou à sua vitória eleitoral em 1998. Desde então, 19 consultas populares feitas à população foram feitas, entre eleições, referendos e plebiscitos. Em todos eles, exceto um, a população votou em sua maioria apoiando o governo. E é este o país que é acusado de ser anti-democrático.

 Andrea Coral: “Existem espaços democráticos de participação e diálogo, mas a oposição não aparece e prefere o golpismo.”

Segundo a cônsul da Venezuela, Andrea Coral, o governo venezuelano constrói sua política e ações não só no partido oficial, mas também junto aos movimentos sociais do país que são muito importantes. Ela lembra que existem próximas eleições marcadas para ocorrer em 2015. Entretanto, existe uma parcela da oposição que não quer esperar e apela para o golpismo. Dia 17 de Fevereiro estavam marcadas reuniões entre o governo e vários governadores para tentar encontrar soluções para a violência. Os governadores de partidos da oposição se recusaram a aparecer. Quatro dias antes haviam começado os focos de violência no país após uma incitação feita durante protesto pelo opositor Leopoldo Lopez. Apesar disso, tais protestos e atos violentos com objetivo explícito de depor o governo por meio de golpe acaba encontrando apoio somente entre setores da classe média.

 Ao longo de 15 dias de protestos, houveram ao todo 13 vítimas fatais. Destas, somente duas morreram como resultado de excessos feitos pelas forças armadas, atos pelos quais os responsáveis estão sendo identificados e punidos. As forças de segurança tem atualmente ordens de dissipar protestos violentos para que não hajam mais mortes. Um setor da oposição, sabendo que não tem como vencer eleitoralmente, e sabendo que não está em ano eleitoral, insiste em apelar para um golpe. Eles acabam se unindo em torno deste objetivo e tem apoio dos oligarcas que anteriormente sempre controlaram o país.

 Andrea Coral lembrou então das várias manipulações midiáticas que foram feitas, até por grandes veículos como a CNN, na qual imagens falsas de outros países eram mostradas como se fôssem tiradas na Venezuela. Uma apresentação em slides mostrou várias destas manipulações, bem como alguns cartazes de propaganda incitando a violência que eram feitos por opositores. Mencionou também que a mídia tenta apresentar Leopoldo Lopez, que se entregou para a polícia em 18 de fevereiro como um preso político, mas que a própria esposa de Lopez, em entrevista à CNN reconhece que o marido se entregou com medo de ameaças de morte e que o governo se esforçou em protegê-lo disso.

 Igor Fuser: “Avanços na Venezuela são notáveis e existe uma grande campanha contra eles.”

 O especialista em relações internacionais, Igor Fuser, disse ter visitado a Venezuela tanto antes do Caracaço durante a época neoliberal e também mais recentemente durante os governos de Chavez e Maduro. Segundo ele, o contraste entre as duas épocas na qualidade de vida da população é gritante. Atualmente não se vê crianças de rua e nem pessoas dormindo na rua por não ter onde morar. O país tem muitos problemas, não é perfeito, mas é certo que há avanços na qualidade de vida das pessoas. Em três anos, meio milhão de moradias populares foram construídas e atualmente 300 mil estão em processo de construção. E isso falando de um país com população de 29 milhões de pessoas.

 O maior problema enfrentado pelo país agora é uma tentativa de golpe, apresentada na mídia como sendo algo como uma “primavera árabe”. Mas Igor Fuser lembra que a única pauta que realmente é exigida pelas pessoas que estão protestando nas ruas é a deposição do presidente. Não há qualquer pauta ou exigência razoável, apenas o pedido para que um presidente eleito democraticamente traia as pessoas que votaram nele abandonando seus compromissos e que a constituição seja rasgada com tal deposição.

 É comentado também que o golpe pelo qual a Venezuela está passando é muito diferente do exemplo de golpe que houve no Brasil em 1964. Ele é chamado de “Golpe Suave” e seus princípios são expostos no livro “Da Ditadura à Democracia” escrito por Gene Sharp. Tal livro já foi distribuído na embaixada norte-americana de diferentes países e é usado como referência pela oposição venezuelana.

 Os padrões de comportamento que vem se repetindo entre golpistas atualmente é começar criando situações de caos. Fazer com que as ruas se encham de manifestantes par criar a percepção verdadeira ou falsa de que está havendo uma perda de controle do governo. Treinos de tropas de choque formados por alguns estudantes de universidades particulares já foram flagrados, ocorrendo com a conivência dos reitores de tais instituições. Tais minorias que recebem tal treinamento acabam sendo usadas para provocar estragos durante protestos. Grupos como este chegaram a incendiar o prédio do ministério público na capital. Com o efeito do conflito, busca-se deslegitimar o governo. Em meio ao clima, tenta-se obter a ocorrência de uma situação ou evento traumático. Que envolve provocar a polícia ou a força nacional para que cometam algum excesso que depois seja acusado de violação de direitos humanos, ou então causar deliberadamente algo como os disparos que mataram pessoas durante o protesto que se desenvolveu em golpe de estado em 2002. Com os ânimos exaltados, cria-se uma imagem de guerra civil e busca-se fazer com que o país sofra sanções econômicas ou intervenções militares, algo que ainda não ocorreu na Venezuela.

 Em um cenário conturbado como este, as coisas podem mudar rapidamente em questão de horas. Em 2002, pouquíssimas pessoas articularam e realizaram a tentativa de golpe de estado, que desenvolveu-se rapidamente ao longo de poucas horas. Para isso eles não exitaram em atirar e matar pessoas dos dois lados de uma manifestação com o propósito de provocar um confronto. A classe média venezuelana acaba então sendo usada como massa de manobra. Lá como no Brasil existe uma classe média que se opõe à universalização e popularização dos direitos. Uma classe média que se ressente quando vê que moradias populares, muitas vezes melhores que suas próprias residências, sendo construídas nos bairros que tradicionalmente eram ocupados por ela. Tais grupos de pessoas acabam tornando-se então base da oposição.

 A oposição por sua vez, representada nas figuras de Henrique Caprilles e Leopoldo Lopez, é formada por pessoas das famílias mais ricas da Venezuela. Famílias que historicamente obteram sua fortuna formando uma oligarquia que ficava com o dinheiro da exploração do petróleo. A burguesia venezuelana é ainda mais rica que a brasileira devido ao petróleo. E de fato, a extração do petróleo é a única atividade que desenvolveram, não sendo capazes de desenvolver em seu governo nem mesmo grandes indústrias tradicionais e nem mesmo algo como o agronegócio da burguesia brasileira. São uma parcela ínfima da população que tradicionalmente estuda nos Estados Unidos, paga plano de saúde norte-americano e compra suas propriedades lá também. Não possuem nenhuma identidade com a própria Venezuela. Os partidos de oposição que eles criaram receberam farto financiamento norte-americano.

 Segundo dados do Wikileaks, somente entre 2004 e 2006, 15 milhões de dólares foram doados pelos Estados Unidos para financiar atividades de grupos opositores. Além do dinheiro enviado, alguns estudantes são aliciados para participarem de cursos de “liderança” gratuitos nos Estados Unidos, local onde recebem treinamento para atuar na oposição e causando problemas nas ruas.

 No meio de toda essa guerra, a mídia acaba escolhendo o lado que alia-se melhor à seus interesses. Grupos como a CNN chegam a tratar como mártires e vítimas pessoas como o General Angel Vivas. Chegam a noticiar que ele é preso por ir contra o governo, mostram fotos dele abraçado com repórter da rede de notícias, mas sequer mencionam o motivo da prisão. O General em questão estava sendo preso por postar na Internet instruções de como colocar cordas amarradas nas ruas na altura da cabeça e derrubar motociclistas. O motivo seria que a categoria dos motociclistas na Venezuela é uma tradicional apoiadora do governo de Maduro e armadilhas como estas já provocaram a morte de pelo menos duas pessoas em motos.

 Aqui no Brasil—finaliza Fuser—como estamos muito atrasados na luta pela democratização dos meios de comunicação e estes permanecem nas mãos de uma oligarquia, sofremos muito com a vinculação de matérias e reportagens tão parciais e que ocultam tanto sobre o que se passa. Na Venezuela ao menos a esquerda conseguiu obter o acesso à 20% dos meios de comunicação de televisão, rádio e jornais, além do apoio da imensa maioria das forças armadas. Aqui no Brasil, como estamos muito longe disso, só nos resta seguir com nossa guerrilha midiática, usando as ferramentas que temos e assim tentar mudar esta situação.

Fonte: Levante Popular da Juventude-PR

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