Fonte: APEC
Fonte: APEC (2015)

Airton Luiz Freire

André de Souza Fedel

Rogéria Pereira Alba

 

“Não saio do Campo pra poder ir para a escola,
Educação do Campo é direito, não é esmola”
(Gilvan Santos – Não vou sair do campo)

“Educação do Campo: Direito nosso dever do Estado”

Realizado no dia 23 de março na Universidade Federal do Paraná (UFPR) o seminário teve como assunto central as duas décadas de existência das lutas, conquistas e o reconhecimento da Educação do campo como política pública, bem como da importância da Escola Itinerante e a disputa de projetos de campo e de educação. Ao fim, também houve um profícuo momento de problematizar o direito à Educação Escolar nos acampamentos de reforma agrária do Paraná tendo como referência os 15 anos da Escola Itinerante.

Inicio do Seminário. Foto: André de Souza Fedel
Inicio do Seminário. Foto: André de Souza Fedel

A APEC e sua secretaria executiva em conjunto com o setor de educação da UFPR e o programa de Pós-Graduação em Educação, como entidades à frente da organização do seminário, realizaram a composição da mesa convidando as Educadoras Roseli Caldart (ITERRA), Isabela Camini (ITERRA) e Maria Izabel Grein (MST).
Como fala inicial, Vanessa Reichenbach (APP) e Sônia Schwendler (UFPR) trouxeram um histórico, a partir da relação da universidade pública com os movimentos sociais, nos processos de formação vinculados a instituição. Os primeiros cursos técnicos em agroecologia, os cursos de licenciatura em pedagogia da terra, os cursos de licenciatura em educação do campo e os encontros de educadores(as) da reforma agrária, por exemplo. Foram passos que legitimaram esta luta e deixaram nítidas nossas urgências.

Essa história trouxe uma organicidade para toda a Articulação. E esse proceder conquistou espaços. Para a mesa: “Foram espaços em que os movimentos forjaram ao longo deste tempo. Conquistamos espaços de poder em secretarias, por exemplo, onde se avançava nos direitos, mas também contradiziam princípios que são importantes para nós”. Ao final da fala de abertura a mesa considerou que o momento é de agregar mais processos para a Articulação.

Composição da Mesa do Seminário . Foto: André de Souza Fedel
Composição da Mesa do Seminário . Foto: André de Souza Fedel

Educação do Campo e Agroecologia

A Educadora Roseli Caldart traçou o início de sua fala com um tom de comemoração. “Precisamos celebrar nossas felicidades, partilhar também os momentos em que nos encontramos para perceber o quanto trilhamos”. Os 20 anos de Educação do Campo e os 200 anos do nascimento de Karl Marx, por exemplo. O que estas datas nos dizem a respeito? Indagou a educadora.
O caminho que construímos nos trouxeram conquistas. E é preciso manter. No entanto ele não é de graça. Em suas palavras, “ (…) nós não temos dúvida nenhuma em que estamos no lado certo e isso nos fortalece, no entanto não garante a vitória.” Para a educadora é necessário refletir sobre a escolha das táticas corretas.
A respeito da história da educação do campo, seu movimento, sua luta e sua resistência, Roseli apresentou uma síntese. Iniciou-a com um questionamento: O momento que estamos passando é importante para saber: O que nós construímos?

“A existência de editais e projetos ao longo do tempo da consolidação da Educação do Campo é a prova que já estivemos em um contexto mais favorável . E agora o contexto é do desmonte. Da precarização das políticas públicas e dos avanços arrancados a duras lutas. Por isso fazemos um balanço: das atividades que fizemos, dos projetos que construímos, dos espaços que conquistamos, o que temos que fazer agora? Qual a nossa postura para o Fórum Nacional de Educação do Campo?”

Nesta síntese, há dois pontos muito fortes para mencionar:

1) A Força material da educação do campo: os cursos de licenciatura em educação do campo, as turmas abrindo, as escolas do campo e suas comunidades. Essa relação necessita estar cada vez mais orgânica. Para cada escola do campo fechada, é uma derrota do nosso projeto. Para cada escola do campo aberta, é a resistência e a força desse nosso projeto. Uma escola não se mantém se a comunidade não se mobilizar.
2) Produto dos 20 anos: o nosso trabalho. Cursos, processos de formação… Todos eles firmam a escola e as educadoras(es). Estes podem continuar com o acúmulo de concepção daquilo que nós enquanto educadores e educadoras e militantes nos movimentos sociais defendemos. Outros processos são os espaços coletivos que formamos a nossa própria diversidade e fazemos a análise da realidade da qual estamos inseridos
Também é importante analisar os comportamentos que existem nos ataques aos direitos. Isso revela a insanidade e o desespero de quem domina. O exemplo clássico é a voracidade do agronegócio na expropriação das terras e na violência ideológica, que demonstra a crise desse modelo. É um momento de correlação de forças.
Por isso a sabedoria de saber conciliar tempo e energia e não desperdiçar em coisas secundárias. “Se a gente se distrair, os processos de formação podem cair na lógica tradicional. Por isso a importância de nos perguntar: Qual o sentido da relação entre educação do campo e agroecologia? Qual função social da escola?”
Com uma pausa, colocando a música do cantor popular Gilvan Santos, Roseli sugeriu uma breve reflexão.

Construtores do Futuro – Gilvan Santos

Eu quero uma escola do campo
Que tenha a ver com a vida com a gente
Querida e organizada
E conduzida coletivamente.

Eu quero uma escola do campo
Que não enxerga apenas equações
Que tenha como chave mestra
O trabalho e os mutirões.

Eu quero uma escola do campo
Que não tenha cercas que não tenha muros
Onde iremos aprender
A sermos construtores do futuro

Eu quero uma escola do campo
Onde o saber não seja limitado
Que a gente possa ver o todo
E possa compreender os lados.

Eu quero uma escola do campo
Onde esteja o símbolo da nossa semeia
Que seja como a nossa casa
Que não seja como a casa alheia.

Eu quero uma escola do campo
Que não tenha cercas que não tenha muros
Onde iremos aprender
A sermos construtores do futuro

Para pensar … conseguimos quebrar o mote ‘sair do campo para estudar e estudar para sair do campo’? Há um ditado conhecido que se diz “Para pegar na enxada não precisa muitas letras”. Será que é verdadeiro o pensamento em que, se o povo do campo estuda, ele quer sair do campo? Será que não é preciso estudar? “Até que ponto conseguimos quebrar esse ciclo perverso?”, provocou Roseli Caldart.
O Agronegócio hoje necessita de um número menor de trabalhadores e trabalhadoras com um nível de escolarização técnica, no entanto ele não incorporará toda a massa de trabalhadores do campo. O agronegócio não precisará manter escolas no campo se considerarmos que, para operar máquinas não precisa de muita escolarização. As escolas abertas no espaço urbano também cumprem com esta formação. A agricultura se “modernizou” e precisa de poucas pessoas no campo.
Essas questões, as quais Roseli em sua fala remeteu, se desdobram no vínculo necessário entre Educação do Campo e Agricultura Camponesa, que constroem uma proposição teórica e política de outros processos, e de outros lugares. Ela afirma que

é preciso encontrar/construir com urgência e paciência caminhos firmes para um vínculo orgânico das escolas do campo com processos de trabalho e de luta que estão construindo a agricultura camponesa agroecológica como parte da alternativa do trabalho à ordem do capital. No plano formativo e pedagógico, este vínculo nos aproxima das formulações sobre educação politécnica, iniciadas por Marx no bojo de sua análise das contradições do capitalismo e das necessidades de formação dos trabalhadores para superá-lo. (CALDART, 2017, p.117)

No término de sua fala uma sentença: a junção perigosa para o agronegócio da Agroecologia com a Soberania Alimentar e com a Reforma Agrária Popular. Esta junção deve estar inserida no modo de estudar nas escolas. Em sua organização curricular. Ela arremata: “se os processos produtivos ao entorno da escola estiverem no viés da agroecologia, o desafio então estará posto para a composição curricular e o fazer pedagógico coletivo.” A educação do campo disputa o projeto de campo e de sociedade. A agroecologia é que reconstrói o processo social no campo.
Educação do Campo, as Escolas Itinerantes e os 15 anos de conquista do direito à educação escolar nos acampamentos da reforma agrária do Paraná

 

Isabela Camini, também educadora, puxou o gancho das provocações realizadas por Roseli e apresentou os legados, as perspectivas e desafios que as Escolas Itinerantes expressam em sua história. De maneira breve mas certeira focou no debate das táticas e estratégias que a Escola Itinerante proporciona em sua relação com a Reforma Agrária Popular. Para Isabela, “A escola itinerante nasce e se forma totalmente diferente da escola tradicional”. Dado isso, seu processo histórico é imbricado de intensos conflitos, “desde a estrutura e a construção das escolas em áreas de interesse para reforma agrária, até a maneira de organização destas.”

Fonte: Portal mst.org
Fonte: Portal mst.org

Se tratando em legado, o Rio Grande do Sul possui uma história mais longa, seguida do Paraná e Santa Catarina. No entanto por ser uma política pública institucionalizada, a educação do campo nas escolas itinerantes no Paraná obteve grandes avanços, com grandes lutas.
A escola itinerante existe para em um futuro não existir, pois ela tenciona o contexto em que os sujeitos do campo buscam direitos fundamentais, o direito à terra e o direito à educação. “a escola itinerante vai existir enquanto tiver luta pela terra”. Ou seja, por meio da pressão popular e da auto-organização, os Sem-Terra fazem com que o Estado proporcione o que é deles por direito.
Maria Izabel Greim, a respeito da histórica luta pelo reconhecimento da educação aos povos do campo, apresentou um panorama de que atualmente há 12 escolas em áreas de reforma agrária no Paraná, sendo 6 possuindo ensino médio. A última conquista foi a inauguração da Escola do Campo Zumbi dos Palmares em Cascavel* . “A Escola Itinerante ensinou o que é escola por dentro dela”.

Escola Municipal do Campo Zumbi dos Palmares, Cascavel. Foto: Valdecir dos Santos. Fonte: Portal Porem.net
Escola Municipal do Campo Zumbi dos Palmares, Cascavel. Foto: Valdecir dos Santos. Fonte: Portal Porem.net

Seus relatos, que se misturam e se entrelaçam com sua vida e de muitos outros educadores(as) e educandos(as) foram costurando uma visão da maneira que foi construída a resistência e o projeto de educação para os povos do campo no Paraná.
Ao fim, em uma reunião da articulação, coletivamente construiu-se um panorama das ameaças de fechamento de escolas pelas regiões, um calendário de atividades pré FONEC (Fórum Nacional de Educação do Campo) e atividades regionais a serem realizadas nos próximos períodos.

 

*A escola municipal do campo Zumbi dos Palmares existe há 15 anos e iniciou seus trabalhos na forma de escola itinerante (Portal Porém.net, 2018). Após este período com muita pressão, luta e organização, a conquista da construção e inauguração consagra um principio político do movimento.

REFERÊNCIAS

CALDART, Roseli. Trabalho, agroecologia e educação politécnica nas escolas do campo. IN: Trabalho, agroecologia e estudo nas escolas do campo. Roseli Caldart (Org.). 1ªedição. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2017

PORTAL APECPR. Articulação Paranaense Por uma Educação do Campo.

PORTAL Porém.net. MST Inaugura Escola Municipal Zumbi dos Palmares no Paraná. 20 de março 2018.

PORTAL MST.

INDICAMOS

3ª Feira Nacional da Reforma Agrária

Carta Política da 16ª Jornada de Agroecologia

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