Para os Movimentos Sociais, a relação com a universidade pública constitui-se em uma possibilidade de perceber de perto os seus meandros estruturais e organizativos e contribui para superar a percepção, historicamente construída, da universidade como ‘templo da ciência’, cujas contradições são passíveis de disfarce para a maioria da população devido ao seu compromisso hegemônico com o empresariado e a ‘sua ciência’.

A relação da ASSESOAR e dos movimentos sociais do campo com as universidades públicas tem permitido identificar grupos de profissionais comprometidos com os movimentos sociais que, aos poucos, definem a opção de estreitamento das relações. Para os movimentos, grupos de estudo e pesquisa de caráter permanente e com concepção teórico-metodológica mais afinada tornam-se possibilidade efetiva de avanço. Supera-se a sensação de confusão sentida na relação com departamentos e centros, imersos em disputa política pelo controle da estrutura e sofrendo cronicamente de descontinuidade e superficialidade teórica. Os grupos de pesquisa constituídos a partir de perspectivas teóricas explícitas constituem-se em meio eficaz de rompimento do corporativismo e de apropriação de conhecimentos que permitem aos movimentos avançarem em suas estratégias de luta.

A clássica definição da função social da universidade – ensino, pesquisa, extensão – tem mostrado que, apesar dos esforços em apontar a implicação social do conhecimento gerado pela universidade, este movimento acontece sobre uma fratura. Por diversas vezes, ao buscar formas da presença da universidade junto à sociedade (no caso do Projeto Vida na Roça) reflete-se uma dissociação entre pesquisa e extensão, entre pensar (pesquisar) e difundir (extensão). Via de regra, para os movimentos sociais, o método de produção do conhecimento afirma o pesquisador com uma implicação não percebida em relação aos processos sociais, gerando um conhecimento para o extensionista da própria universidade: aquele que não pesquisa e cumpre uma espécie de função de segunda grandeza. A ‘distância’ em relação aos movimentos sociais, muitas vezes é defendida como condição de neutralidade necessária à produção do conhecimento científico. Na verdade, trata-se da falsa pretensão de produzir um conhecimento descomprometido – por isso válido – no contexto da sociedade de classes.

Ao mesmo tempo, como o extensionista não é o que prioritariamente pesquisa e pensa, a falta de domínio dos instrumentais que dão conta da relação entre conhecimento e sociedade transforma a extensão numa prática autoritária para e sobre os movimentos e a população trabalhadora.

Este fator está, certamente, associado à sobrecarga a que são submetidos os professores diante dos limites estruturais da universidade pública, mas, sem dúvida, tem muito da concepção de universidade e da sua relação com a sociedade.

O conflito político expresso no interior da universidade pública tem levado ao esfacelamento do escasso tempo disponível à extensão e pesquisa. O controle da estrutura como instrumento de poder para os embates internos tem levado, em muitos casos, à distribuição de horas como mecanismo de aliciamento político, tornando-o disperso e fragmentado, impossibilitando processos densos e produtivos na relação universidade-movimentos na produção do conhecimento. Ao mesmo tempo, na Universidade Pública, encontram-se profissionais comprometidos fazendo trabalhos, mesmo no seu tempo pessoal, na tentativa de dar conta de objetivos e compromissos com os movimentos.

A relação dos movimentos sociais com a Universidade Pública busca a superação do capitalismo; cabe, por isso, conceber um movimento de aproximação, ruptura e reaproximação, identificando, no seu interior, a existência de grupos e/ou setores que, na sua função de pesquisa, ensino e extensão, posicionam-se politicamente de forma a possibilitar alianças com determinados movimentos sociais. Movimentos estes que reconhecem a necessidade de acessarem as teorias produzidas pela humanidade e que tendem a estar organizadas de forma mais sistemática na universidade.

Tais movimentos e instituições sociais, pelas razões históricas nas quais se constituem, diferente da universidade, buscam uma institucionalidade mais coesa do ponto de vista político e teórico: a sua identidade não é ser universal.

Considera-se que o “não enquadramento” ao formatado pelo Estado Liberal é condição da existência dos movimentos sociais. Dessa perspectiva, o processo de conhecimento hegemônico que a universidade implementa torna-se insatisfatório para os movimentos sociais. Fruto dessa percepção, os movimentos e as instituições da sociedade próximas a eles, ao proporem à universidade iniciativas diferenciadas e disporem-se a gerir conjuntamente é porque já acumularam experiência e têm a percepção de que a universidade, da forma como está, não é capaz de formar as pessoas para dar conta dos desafios dos movimentos, desde a sua perspectiva histórico-política.

Texto do livro “Desenvolvimento Multidimensional do Campo: Concepção e Método” – ASSESOAR 2011



Posts Recomendados

Ainda sem comentário, adicione o seu abaixo!


Adicionar um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *