Editorial do Jornal Brasil de Fato

DE 13 A 22 DE JUNHO, milhares de pessoas, representantes de governos, diplomatas, forças de segurança, militantes sociais, ativistas do meio ambiente, representantes de povos indígenas e da população em geral, estão concentrados na cidade do Rio de Janeiro, que virou uma verdadeira Torre de Babel.

Em torno dessa conferência mundial sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável percebe-se a existência de pelo menos quatro polos distintos e até antagônicos. Mas todos estão falando do mesmo tema, e se dizem representantes do povo.

O primeiro bloco – motivador do evento – é a conferência oficial, que inicialmente reúne os diplomatas dos ministérios de governos, e que, entre os dias 20 e 22 reúne dezenas de chefes de nações. Esse bloco está produzindo um documento, que já veio meio pronto, o chamado Marco Zero, produzido em dezenas de consultas entre eles, os diplomatas, em diversas reuniões realizadas nos marcos da Organização das Nações Unidas. O documento não tem nenhuma novidade. Ao contrário, para a maioria dos especialistas, é muito pior do que o documento da Rio-92 – de vinte anos atrás.

Em plena crise ambiental, de mudança de clima, crise da energia nuclear no Japão, fome atingindo mais de um bilhão de pessoas, o documento não aborda as causas fundamentais dos problemas. Não há nenhuma linha, por exemplo, sobre os problemas de saúde pública causados pelas agressões ao meio ambiente, como denunciou o presidente da Fiocruz. O documento fica apenas na perfumaria, típica dos documentos diplomáticos. Portanto, nada novo. E se houver algo de novo, ninguém de sã consciência espera que algum governo cumpra. Como tampouco cumpriram o que assinaram em 1992. Essa turma está concentrada na Barra da Tijuca, Riocentro e nos hotéis luxuosos da zona sul da cidade.

Mas para não dizer que não falaram em flores, como diz a canção, a ONU organizou debates com “representantes da sociedade civil” escolhidos por eles para exporem suas ideias aos diplomatas. Um teatrinho para fingir a participação da sociedade civil nos documentos oficiais já prontos.

O segundo bloco alugou o histórico Forte de Copacabana. É onde se reúnem os empresários mais espertos, que querem adequar o discurso e o rótulo de suas mercadorias, para dar um toque mais verde e poderem vender mais. E, com isso, disputam, inclusive, espaço com outros empresários truculentos, sem cultura, que só pensam em lucro. Esses que foram ao Rio são mais espertos; querem ter lucro, com preocupação ambiental. Levaram cientistas para explicar para eles os problemas ambientais e vão produzir documento se comprometendo a respeitar o meio ambiente, desde que não afete o lucro de suas empresas. São os defensores da economia verde. Ou seja, como oxigenar o capitalismo com produtos verdes. São também os que defendem uma “recompensa às comunidades rurais e indígenas, que preservarem as florestas e o meio ambiente”. Em troca eles até pagariam um tributo, mas para isso transformam essas áreas conservadas em títulos de crédito de carbono, e já estão ganhando dinheiro com leilões desses títulos. Tudo para que eles continuem poluindo com seu modo de vida sedentário e consumista em seus países desenvolvidos.

O terceiro bloco está disfarçado. São os representantes do verdadeiro poder econômico. Representam as 500 maiores corporações transnacionais, que controlam 58% do PIB mundial, que consomem a maior parte da energia do mundo e nos impõem um consumismo desenfreado, predador da natureza e poluidor. São as grandes empresas mineradoras, petrolíferas, automobilísticas, as grandes fábricas e seus bancos financiadores. São os fazendeiros estúpidos aliados a eles, para transformar a natureza em commodity mundial. Eles não fi zeram reuniões, não vão tirar documentos. Ficaram quietos, escondidos do escárnio público. Mas estão financiando a Rio+20, estão infiltrados nas delegações dos governos, controlam os meios de comunicação de massa, para que saia apenas o que eles querem dos debates. E depois da conferência continuarão poluindo à vontade, já que nos tempos modernos, como nos advertiu o sociólogo Zygmunt Bauman, o poder econômico está afastado do poder político governamental. Opera numa lógica independente dos governos.

O quarto bloco, que se reúne em diversos espaços mais próximos do centro da cidade e longe das forças de segurança, em especial no Sambódromo e no aterro do Flamengo, são milhares de jovens e militantes sociais ligados a entidades, ONGs, movimentos sociais, povos indígenas, pastorais, centrais sindicais e partidos políticos. A chamada Cúpula dos Povos.

Nesse espaço acontecem mais de 3 mil oficinas, reuniões e seminários. Debate-se sobre tudo. Quem quiser se reúne e produz um documento. Alguns mais preocupados em conhecer as maravilhas da cidade, outros em eles próprios serem conhecidos e aparecer.

Mas há também gente séria, que vai aproveitar para se articular nas redes internacionais e fazer durante a semana, diversas mobilizações de massa, na rua, para demonstrar suas ideias e descontentamento. Muitos movimentos vão aproveitar para discutir quem são os culpados, as empresas capitalistas causadoras dos problemas do meio ambiente, os governos servis aos interesses das grandes empresas, que colocam “o crescimento econômico”, acima da vida e do bem estar das pessoas e de todos os seres vivos existentes no planeta. Os causadores das agressões e do desequilíbrio precisam ser identificados pela população, para que possamos saber quem são nossos verdadeiros inimigos, e como agir para conter sua sanha de ganância incontrolável.

Disso, o que podemos esperar? Dizem que de discursos e documentos o inferno está cheio, e definitivamente não são eles que mudam as estruturas injustas do capitalismo e do mundo. Porém, talvez o melhor saldo dessa Torre de Babel que se reúne no Rio seja a oportunidade de que o tema do meio ambiente, sua importância, a gravidade dos seus problemas tenham concentrado as energias dos meios de comunicação de todo o mundo, que se obrigaram a comentar, analisar e repercutir.

Certamente, após a conferência, teremos inúmeros documentos, análises, material audiovisual, que os movimentos sociais e as entidades sérias levarão para suas bases, para seguir o debate de conscientização da população brasileira, latina e mundial, sobre a necessidade de mudanças do modo de produção. Mas todos devemos ter a certeza de que as mudanças somente virão se houverem mobilizações de massa. Para isso a população precisa ter conhecimento e convencimento sobre as ideias mais justas. E lutar. Fora isso, tudo é teatro burguês, menos o teatro do oprimido – na expressão de nosso querido Augusto Boal – que reproduz a vida real!

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